Estou condenado pela minha herança familiar?
Não há nada que incomode mais do que nos vermos refletidos nos defeitos de nossas mães e pais. Isso nos faz refletir a respeito de como pode ser possível que, ao longo da vida, tenhamos nos aborrecido com esses defeitos ou modos de ser e, agora, estejamos agindo de maneira semelhante, como se fosse uma herança familiar.
O desconforto que essa semelhança nos causa é tanto que, muitas vezes, a negamos exaustivamente. Além disso, essa negação nos leva a atribuir aos outros essa característica inaceitável para nós mesmos. Isso é conhecido em termos psicanalíticos como projeção ou, conforme o provérbio, “ver o cisco no olho do outro e não a trave no seu próprio olho”.
Tendemos a repetir os padrões e a herança familiar em nossas relações sociais, como casal e em nossa própria vida familiar. O que aprendemos à medida que nos desenvolvemos fica impregnado em nós e, ao percebermos isso, podemos nos perguntar: estou realmente condenado a repetir os mesmos erros da minha família?
Por que a nossa herança familiar é importante?
A nossa herança familiar vai além dos estudos genéticos. Desde que saímos do útero, e mesmo antes, não paramos de aprender. Imitamos o que vemos nas nossas referências: o que fazem, como se expressam, como lidam com as próprias emoções… E entendemos que este é o nosso modelo a seguir.
Na verdade, há uma fase do desenvolvimento em que a criança não consegue diferenciar o seu próprio ser do de seus cuidadores. Em estágios posteriores, a criança desenvolverá o seu “eu” e compreenderá que é um ser independente de suas figuras de apego. Essa fase é particularmente notável na adolescência, quando se pretende afirmar esse “eu” e negar qualquer herança familiar.
Além disso, essas figuras de apego não são apenas “um” modelo, e sim “o” modelo. As figuras dos pais são totalmente idealizadas na primeira infância. Tanto que, segundo as teorias psicanalíticas, existe uma paixão pelos pais, conhecida como complexo de Édipo ou de Electra.
Então, estou condenado a repetir os mesmos erros que a minha família?
É claro que você não está condenado a repetir a sua herança familiar, pelo menos se não for o que você deseja. Todos esses padrões estão permeados em nossa personalidade e, com certeza, muitas vezes os reconhecemos. Mas eles não são os únicos modelos que você tem; as suas experiências de vida também fornecem estrutura para toda essa trama.
As novas relações que você estabelece, sejam de casal, amizade ou fraternais, fazem com que todos aqueles modelos internos de herança familiar que você carrega se mobilizem e se transformem.
Nesse sentido, podemos considerar as heranças familiares um fardo, mas também algo precioso que queremos continuar mantendo na nossa geração. Existem muitos casos de heranças familiares que não foram apenas seguidas, mas aperfeiçoadas.
Um exemplo disso é Anna Freud, filha do famoso psiquiatra Sigmund Freud, que deu contribuições fundamentais para a psiquiatria com as suas teorias sobre os mecanismos de defesa. Anna Freud deu continuidade ao legado do pai e foi além.
Tentando melhorar a nossa herança familiar
Como vimos, a herança familiar envolve a bagagem e os padrões de compreensão do mundo que aprendemos com nossas figuras de apego e que, portanto, deixaram uma marca profunda em nós. No entanto, isso não significa que estejamos predeterminados a repetir o que os nossos familiares fizeram se não estivermos de acordo.
Uma das psicoterapias que se concentra mais nessa visão são as terapias familiares. Esta forma de trabalho trata de elucidar a sua posição familiar atual e inclusive as gerações anteriores. Isso permitirá que a pessoa tenha um papel ativo naqueles padrões familiares inconscientes que se repetem e causam dor.
Em última análise, somos herdeiros dos nossos familiares, tanto das coisas positivas e do legado que nos orgulha, quanto do que nos causa dor e nos paralisa. Mas é preciso lembrar que cabe a nós aprimorar cada vez mais essa herança e transmitir o melhor de nós mesmos para a próxima geração.