Extimidade: quando a privacidade é tornada pública

Vivemos em uma realidade em que a extimidade ou a exibição do íntimo através das redes é quase uma necessidade. Porque se você não está lá, você não existe, e ter visibilidade nesse mundo é, para alguns, quase mais importante do que ter uma presença no mundo real.
Extimidade: quando a privacidade é tornada pública
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 15 novembro, 2021

Vivemos em uma realidade em que o íntimo frequentemente se manifesta na esfera pública. Quase sem perceber, nos tornamos voyeurs diários da vida dos outros, aquela que é publicada nas redes sociais voluntariamente. A extimidade, entendida como aquele ato em que o privado se torna público, está transformando completamente a forma de entender o mundo.

Sejamos realistas, é cada vez mais fácil publicarmos aquele pensamento que acabamos de ter, o que estamos comendo no café da manhã ou a música que estamos ouvindo agora. Se todo mundo faz isso, por que não nós? As novas tecnologias construíram uma área comum, compartilhada, onde todos nós somos inocentes espectadores e discretos exibicionismo.

Divulgar, compartilhar ou publicar informações privadas não é apenas uma forma de criar uma comunidade com aqueles que também o fazem. Tornar o público privado nos torna visíveis, nos dá uma presença num cenário tecnológico e digital em que muitas vezes se entende que se você não aparece, é porque não existe.

A extimidade veio para ficar. Vamos entender, portanto, em que consiste esse conceito, que, por mais curioso que pareça, não é exatamente novo.

Tornar o público privado nos torna visíveis

Extimidade, o que é e como se manifesta?

A palavra extimidade foi cunhada pelo psicanalista francês Jacques Lacan. Para ele, esse conceito representava um estado em que o ser humano se define por possuir certas áreas muito íntimas que só fazem sentido no mundo externo. O inconsciente, por exemplo, é um estado psíquico interno, mas sem acabar se expressando externamente.

Agora, o psiquiatra francês Serge Tisseron utilizou esse termo lacaniano alguns anos atrás para aplicá-lo à modernidade de hoje. A intimidade de hoje não é um estado, é um processo em que as novas tecnologias nos estimulam a mostrar uma parte da nossa privacidade e vida psíquica para a esfera pública e, especificamente, para o mundo digital. Agora, isso significa que, de repente, nos tornamos exibicionistas?

Não exatamente. Não somos assim porque cada um de nós escolhe o que quer mostrar, e muitas vezes o que publicamos nem mesmo é real. Tudo é selecionado. Em geral, escolhemos muito bem o que mostrar, como e quando. Não somos tudo o que se vê nas redes, somos o que queremos que seja visto.

Um recurso para alcançar conexões genuínas

Gostamos de assistir, é verdade. Estamos interessados ​​em olhar a vida de outras pessoas para descobrir, ver, compreender, almejar, admirar, aprender e até invejar. No entanto, também gostamos de sentir emoçõesA extimidade é um recurso ideal para criar impacto emocional em quem nos observa, em quem coloca o olho sobre o olho mágico da sua tela para entrar no mundo do outro e na sua intimidade.

As grandes marcas, os gurus das redes e os instagramers sabem que uma forma de atrair seguidores é revelando pequenas intimidades. Graças a isso, pessoas que não conhecemos de repente se aproximam de nós, revelando coisas sobre suas vidas, abrindo a porta da sua privacidade escolhida. De repente, nos identificamos com esses estranhos. Eles geram empatia e acabamos ‘viciados’ nas suas publicações.

No entanto, lembre-se, essa abordagem que define a extimidade não significa de forma alguma que estamos vendo o que uma pessoa é com autenticidade e sinceridade, vemos apenas o que ela quer representar.

Compartilhar o que é privado para nos tornarmos visíveis e nos reinterpretar

O cenário digital, as redes, os meios de comunicação e tudo o que está atrás de uma tela forma outra realidade paralela à nossa. O celular, o e-mail, os chats, os sistemas de mensagens, as redes sociais… Tudo isso configura um cenário em que também queremos estar presentes, e para isso devemos nos projetar e praticar a extimidade

Tornar o privado público nos coloca naquele mundo alternativo onde podemos criar um novo eu, onde temos uma presença como quase todas as outras pessoas. Porque se você não está naquele plano, é porque você não existe.

Homem no celular

A extimidade e a fixação no imediatismo

A extimidade é definida hoje por uma característica muito particular: o imediatismo. “Tomando café da manhã com meu amor”, “já no trem para o trabalho”, “ meditando” … Quando você abre seu celular, a intimidade se revela através do que acontece aqui e agora. Isso é o que mais importa. O que aconteceu ontem ou anteontem é irrelevante.

Nos tempos atuais, o que a maioria de nós quer “consumir” ou ver é o que acontece neste exato segundo.

A extimidade roubada ou a intimidade que revelamos sem saber

A maioria de nós publica fotos, vídeos, ideias e pensamentos de forma voluntária. Ou seja, o mais comum é tornar públicos pequenos pedaços do nosso universo privado de forma consciente, mas sempre filtrada. Agora, às vezes, esquecemos que existe outro tipo de extimidade camuflada.

Os dispositivos eletrônicos possuem câmera e microfone. Os aplicativos que usamos e as redes sociais em que nos inscrevemos têm algoritmos e bots que analisam tudo o que fazemos nesses mundos digitais. Somos observados, ouvidos e analisados.

A nossa privacidade é tornada pública devido ao perigo inerente a uma tecnologia que visa recolher o máximo de informação sobre nós e, assim, poder vendê-la a grandes empresas. O privado não é apenas tornado público, mas também comercializado.

Chegamos a um ponto em que o íntimo e o público se diluem excessivamente, e algo assim tem seus riscos. Vamos manter isso em mente e refletir sobre até que ponto a extimidade nos beneficia ou nos prejudica.


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  • Alain Miller, Jacques (2010) Extimidad. Paidós

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