A mídia influencia a desconfiança na ciência?

Nos últimos meses, a ciência vem sendo altamente questionada. Por quê? Quais podem ser as consequências disso?
A mídia influencia a desconfiança na ciência?
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 15 novembro, 2021

Nos últimos tempos, estamos testemunhando como a ciência está perdendo sua posição de autoridade como garantia da verdade. Em decorrência da crise global provocada pela pandemia, a imagem social de médicos, pesquisadores e divulgadores tem sido constantemente questionada. A mídia influencia a desconfiança na ciência?

Parece que sim. Vimos quantos jornalistas e políticos debateram – e debatem – aspectos que não dominam, deixando a ciência de lado. É um fato que os próprios cientistas estão sob enorme pressão e recebem exigências de certezas e conclusões claras.

No entanto, e aí vem o mais importante, esquecemos como a pesquisa científica funciona em contextos de crise de saúde como o atual. É impossível oferecer conclusões e dados categóricos em uma realidade desconhecida marcada pela incerteza. Ciência é observação, comparação, experimentação e autocorreção.

Por esse motivo, quando novos dados surgem e os cientistas são forçados a reformular conclusões, a mídia rapidamente lança manchetes críticas que aumentam a desconfiança social. E isso, sem dúvida, é um grande perigo para a sociedade como um todo.

“A ciência é feita de erros, que, por sua vez, são passos em direção à verdade.”
-Julio Verne-

Pesquisadora trabalhando

A que se deve a desconfiança na ciência?

O economista Adam Smith destacou que o antídoto para a superstição e a ignorância humana é a ciência. Então, que custo a atual desconfiança da ciência pode ter para todos nós se nos limitarmos a questioná-la continuamente? O impacto pode ser imenso. No entanto, há um fato que frequentemente apreciamos e que ainda é surpreendente.

A ciência é vendável e atraente. Muitos de nós seguem um cientista ou, pelo menos, algum divulgador. Algo que ocorre nesse tipo de comunicação é que ela oferece uma visão popular da ciência com base apenas em certezas objetivas e em um poder preditivo quase absoluto. E essa visão está causando muitos danos.

Existem áreas da ciência, e mais ainda em situações como a atual, em que é impossível oferecer dados conclusivos. Em cenários de crise, as pessoas querem certezas, mas a ciência precisa de tempo e as coisas não funcionam como no mundo do cinema ou mesmo nos programas populares de televisão.

Essa é a origem de algumas dúvidas. Crises passadas, como a encefalopatia espongiforme bovina (doença da vaca louca) e o desastre de Fukushima, já mostraram uma certa desconfiança na ciência quando ela não foi capaz de oferecer respostas completas. Vamos analisar as causas.

O fracasso da mídia em comunicar dados científicos

Pesquisas como a realizada na Universidade da Pensilvânia, na Universidade de Buffalo e na Universidade Estadual de Nova York, mostram que a mídia tem um grande impacto na desconfiança da população na ciência. Esta relação de causa e efeito decorre de várias dinâmicas:

  • Grande parte da mídia aposta no sensacionalismo e no clickbait. Isso implica, por exemplo, que publiquem aspectos específicos e sensacionalistas sem incluir as explicações dos próprios cientistas.
  • Também é comum que eles se limitem a publicar ou comentar pré-impressões científicas. Vamos ter em mente que um preprint é um manuscrito original de um autor que ainda não foi revisado por pares ou publicado. Devemos lembrar que a ciência é uma instituição na qual é necessário que especialistas revisem, analisem, comparem e critiquem o trabalho de outros por meio de avaliações por pares para chegar a novas conclusões.
  • Por outro lado, quando surgem situações de crise, os meios de comunicação anseiam por novos dados e notícias diariamente. Os cientistas são, por um lado, obrigados a continuar fornecendo informações, enquanto a pressão competitiva aumenta em seu campo. A desconfiança na ciência é erguida diariamente quando a sociedade não recebe respostas rápidas para as suas perguntas e certezas para as suas preocupações.
Mulher usando o celular

Desconfiança na ciência e fontes não confiáveis disponíveis para todos

Carlos Elías é Professor de Jornalismo na Universidade Carlos III de Madrid. Em um de seus últimos ensaios: Science on the Ropes: Decline of Scientific Culture in the Era of Fake News, ele analisa aspectos muito interessantes sobre a origem da atual desconfiança na ciência.

Fatores como a irracionalidade dos meios de comunicação descritos acima, o impacto das redes sociais e o fato de viver na era das fake news condensam um clima social de grande deterioração para o progresso e a ciência. Não podemos negar isso. Navegamos em um mundo no qual muitos têm como certo que a origem da pandemia está nas redes 5G. Além disso, dizem que nas vacinas existem pequenos chips para nos controlar.

Nesse universo digital em que nos movemos, a informação viaja muito rápido e a ciência, por sua vez, tem sua velocidade e imperfeição. A sociedade tem todo o direito de ser crítica, é verdade, mas também tem o direito de buscar informações em fontes confiáveis, e a mídia deve nos ajudar nesse sentido.

A ciência pode se sair muito mal perante a sociedade se não formos capazes de fornecer informações verdadeiras, calmas, contextualizadas e bem explicadas. A mídia tem uma grande responsabilidade.

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  • Elias, Carlos. (2019). Science on the Ropes: Decline of Scientific Culture in the Era of Fake News. 10.1007/978-3-030-12978-1
  • Ophir Y, Jamieson KH. The effects of media narratives about failures and discoveries in science on beliefs about and support for science. Public Underst Sci. Published online May 17, 2021. doi:10.1177/09636625211012630

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