O custo oculto do estresse crônico: a perda de memória
O custo oculto do estresse deixa uma marca em nós sem que percebamos isso – pelo menos a princípio. Viver estressado é quase como levar a vida dentro de um trem que anda o tempo todo em alta velocidade.
No começo da viagem, agimos com naturalidade e até agradecemos por estar avançando de maneira tão rápida. No entanto, pouco a pouco nos damos conta de que poderíamos apreciar a vista se diminuíssemos um pouco a velocidade. Nosso corpo e nossa mente começam a ficar ressentidos.
Thich Nhat Hanh, conhecido monge budista e autor de livros como Caminhos para a Paz Interior, afirma que nossos pensamentos e emoções são como nuvens que vão e vêm em um dia de vento. É claro que no meio de um vendaval é mais difícil falar em equilíbrio, em um ponto de calma para poder retomar o controle e permitir que a mente funcione no seu melhor potencial.
Não é fácil lidar com esses estados psicológicos gerados pelo estresse e pela ansiedade. Agora, o problema não é ter que passar por uma época de estresse elevado. É praticamente impossível fugir disso hoje em dia.
O verdadeiro foco de preocupação é permitir que essa época se estenda de maneira indefinida no tempo. É aí que aparecem as sequelas, e é nesse contexto que surge o custo oculto do estresse.
Todos sabemos que um corpo sujeito a um ambiente ou a situações estressantes sente as consequências. Surgem a dor muscular, os problemas digestivos, as alterações no sono noturno e outros tantos fatores que limitam significativamente a nossa qualidade de vida.
Não obstante, há outro fator que não podemos deixar de observar: a perda de memória.
“Muitos rios tranquilos começam como uma cachoeira violenta, mas nenhum corre na hora de se perder no mar”.
-Mikhail Lermontov-
O custo oculto do estresse: a memória que falha no dia a dia
Quando alguém sofre de estresse, tem a sensação de que o mundo, tudo que acontece fora de si, anda depressa demais. No entanto, internamente a impressão é justamente a contrária.
O desempenho cognitivo diminui. É muito difícil focar a atenção, começar qualquer tarefa, etc. Além disso, como se já não fosse muito, a mente nos boicota com medos, dúvidas e ameaças (você não vai conseguir finalizar essa entrega, você não vai ter dinheiro no fim do mês, você está fazendo isso errado…).
Pode ser que pareça uma redundância, mas uma das características mais obscuras do estresse é que ele gera mais estresse. Assim, ainda que frequentemente nos queixemos de dor de cabeça, de eventuais enjoos ou da maldita insônia que esse estado psicológico nos causa, não percebemos tanto o seu impacto emocional e cognitivo.
O mal-estar, a baixa motivação, o desânimo e a perda de memória são elementos associados que devemos ter em mente.
O estresse crônico e a dificuldade para recordar dados
Como dissemos no início, o estresse pontual e limitado no tempo não tem grandes consequências. E mais, em grande parte dos casos, essa ativação interna facilita o alcance de determinadas metas, faz com que superemos desafios mais facilmente e com que avancemos como seres humanos em um contexto mais ou menos complexo.
Agora, no momento em que essa ativação se alonga durante várias semanas ou meses, surge o custo oculto do estresse.
Uma pesquisa realizada pela Dra. Jannine Wirkner, da Universidade de Greifswald na Alemanha, mostrou algo muito importante. Experimentar um estresse agudo, de maneira temporária e breve, reforça a memória. Isso é algo que, sem dúvida, pode nos beneficiar em provas ou determinadas tarefas.
Por outro lado, o estresse crônico, diante do qual a liberação do hormônio do estresse, o cortisol, é constante, dificulta nossa capacidade de formar novas memórias.
O estresse atua como uma interferência em todos os processamentos da memória. Ou seja, ele interrompe a codificação, a consolidação e a recuperação – todas as fases desse processo cognitivo.
O custo do estresse crônico no hipocampo e no córtex pré-frontal
A pesquisa realizada pela Dra. Kim Jeasonkok, da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, também revelou algo muito interessante. Quando o nível de cortisol é muito elevado, o hipocampo sofre uma alteração em sua morfologia. Essa estrutura cerebral relacionada com a memória e as emoções reduz seu tamanho como consequência dos hormônios do estresse.
Além disso, como se não fosse suficiente, existe outro custo oculto do estresse crônico. Esse estado de ativação e de alerta constante faz com que a amígdala iniba a atividade do córtex pré-frontal.
Algo assim gera, por exemplo, dificuldade de pensar de maneira mais lógica, o que torna mais difícil refletir e tomar decisões.
Perda de memória e estresse, os dois lados da mesma moeda
O custo oculto do estresse pode ser mais complexo do que pensamos. Sabemos que quando o estresse é crônico, quando passamos meses preocupados e submersos em estados de pressão muito elevada, a memória falha.
Agora, em casos de estresse pós-traumático, algumas memórias perduram mais e são mais intensas do que o normal.
- Quando passamos por vivências dramáticas, onde há um componente emocional muito elevado, nosso hipocampo mantém as imagens adversas e as sensações de forma permanente e dolorosa.
- No entanto, após essa experiência, também existe uma grande dificuldade na hora de formar novas memórias, gerando, por sua vez, problemas nas tarefas que exigem um raciocínio superior, como as análises reflexivas e lógicas, a atenção sustentada, a tomada de decisões, etc.
Diante de tudo isso, não podemos negar o quão complexo pode ser o nosso cérebro. Agora, apesar dessas circunstâncias, apesar dos traumas e do impacto do estresse crônico, há mais um fato que não podemos perder de vista: o cérebro é plástico, muda, e pode reverter todos esses efeitos.
O exercício físico, a terapia psicológica, a meditação, um melhor gerenciamento do estresse e os bons hábitos de vida são aspectos que podem nos ajudar a potencializar nosso bem-estar e a plasticidade cerebral. Talvez seja o momento de incluir essas atividades no seu dia a dia.
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- Wirkner, J., Ventura-Bort, C., Schwabe, L., Hamm, A. O., & Weymar, M. (2019). Chronic stress and emotion: Differential effects on attentional processing and recognition memory. Psychoneuroendocrinology, 107, 93–97. doi: 10.1016/j.psyneuen.2019.05.008
- Kim, JJ y Diamond, DM (2002). El hipocampo estresado, la plasticidad sináptica y los recuerdos perdidos. Nature Reviews Neuroscience , 3 (6), 453–462. https://doi.org/10.1038/nrn849