O modelo PARCUVE e a origem da dor emocional: em que consiste?

O modelo PARCUVE nos permite compreender como a dor emocional pode moldar certos comportamentos patológicos. Vamos analisá-lo.
O modelo PARCUVE e a origem da dor emocional: em que consiste?
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

O modelo PARCUVE é um recurso terapêutico criado pelo psicólogo Manuel Hernández, especialista em apego, neurobiologia e emoções. Trata-se de um avanço interessante na compreensão dos comportamentos psicopatológicos, sobretudo por se aprofundar nessa sutil relação entre o emocional e o cerebral.

Nesse contexto, não podemos deixar de lado algo evidente. Qualquer evento traumático vivenciado no início da vida, ou até mesmo na maturidade, deixa uma marca profunda em nível cerebral. Essa alteração pode se traduzir em infinitos problemas posteriores, tais como esgotamento mental, dificuldade em administrar as emoções, mudanças de personalidade e, sobretudo, dificuldade para ter controle sobre a própria vida.

Este modelo nos fornece uma visão abrangente, prática e ilustrativa para podermos entender e abordar diversas realidades psicopatológicas. Nele, integram-se aspectos relativos ao apego e a tudo que se relaciona com a neurociência e o universo emocional. 

Modelo PARCUVE
O modelo PARCUVE, criado por Manuel Hernández, ajuda as pessoas a compreender a própria história e a regular toda a carga emocional e cognitiva.

Modelo PARCUVE: objetivos e características

Há um conceito equivocado que prevalece com frequência em relação aos traumas. Muitas vezes, supõe-se que essas experiências adversas, como não ser amado na infância, por exemplo, destroem a vida de uma pessoa para sempre. E que, portanto, ela se torna uma vítima ad eternum. Porém, não podemos ignorar a capacidade de crescimento e mudança do ser humano.

É verdade que essa jornada de cura e enfrentamento dos problemas psicológicos é diferente para cada pessoa. Afinal, cada um carrega consigo histórias únicas e narrativas mentais que intensificam em maior ou menor grau o sofrimento. Não há dois casos iguais.

No entanto, contamos com cada vez mais recursos psicológicos. Um exemplo disso é o trabalho de pesquisa publicado pela Universidade de Emory em Atlanta, em 2018.

Abordagens como a terapia cognitiva processual (TCP) ou a terapia cognitivo-comportamental (TCC), por exemplo, são metodologias amplamente indicadas para o tratamento dos traumas. No entanto, abordagens tão revolucionárias e consistentes quanto o Modelo PARCUVE estão se destacando como novas perspectivas bastante interessantes.

No modelo PARCUVE, a ruptura das relações de apego, sejam elas reais ou imaginárias, tem como resultado uma experiência quase contínua de raiva e medo. E também sentimentos de vergonha.

Qual é o seu propósito e como se aplica?

O modelo PARCUVE é um acróstico de (P) pânico, (A) ansiedade, (R) raiva, (CU) culpa e (VE) vergonha. Trata-se de uma abordagem na qual Manuel Hernández constrói uma interessante hierarquia ontogenética das emoções e seus correlatos comportamentais.

Esta interessante teoria tem como objetivo habilitar as pessoas para a compreensão de suas próprias histórias, oferecendo ferramentas para regular tanto os seus universos emocionais quanto os cognitivos (ideias, padrões de pensamento, crenças, atitudes, etc.).

Trata-se de uma abordagem que parte, por um lado, das teorias sobre o funcionamento do cérebro do ganhador do Prêmio Nobel Gerald Edelman e, por outro, centra-se nos sistemas de recompensa e punição em nível neurobiológico e no fenômeno kindling – sensibilização, descrito por John D. Teasdale. Essa última característica explica porque algumas pessoas ficam mais vulneráveis após vários episódios depressivos.

O modelo PARCUVE é representado em uma matriz de três anéis. Nela, é oferecida uma explicação ilustrativa sobre como certas emoções às vezes compõem realidades psicopatológicas. Vamos nos aprofundar nelas.

Nesta proposta, o medo e o pânico aparecem separadamente. Isso explicaria porque os tratamentos farmacológicos muitas vezes conseguem tratar os medos, mas nem sempre os ataques de pânico. A razão é que eles apresentariam duas origens diferentes.

Primeiro anel: as 5 emoções que retroalimentam o trauma e o sofrimento psicológico

De acordo com essa abordagem terapêutica, existem 5 emoções-chave que sustentam a persistência do sofrimento e a resistência do trauma psicológico. São emoções que ativam diferentes circuitos cerebrais que condicionam o modo de pensar e também o comportamento. São as seguintes:

O medo

Essa emoção nos protege de ameaças. No entanto, o seu gatilho muitas vezes é completamente irracional. Além disso, atua em nível somático (corpo), em nível cognitivo (pensamento) e também pode elevar a valência de outras dimensões, tais como a ansiedade ou o estresse. Da mesma forma, o medo também é a base das fobias.

A culpa

Muitas das pessoas que sofreram um trauma carregam consigo mais de um sentimento de culpa. São situações em que a mente não para de pensar no que aconteceu, projetando toda a responsabilidade sobre a própria pessoa.

A vergonha

A vergonha é uma emoção autodepreciativa. Está presente em muitos daqueles que sofreram problemas de apego.

A raiva

John Bowlby explicou a partir de suas teorias de apego que muitas crianças que vivenciam o abandono de um dos pais experimentam um alto nível de raiva. Tanto de si mesmas quanto dos outros.

Pânico e conexão

Essa dimensão dual define um comportamento quase prototípico em todos os sobreviventes do trauma: a necessidade de se conectar com os outros, mas, ao mesmo tempo, o medo de se machucar novamente.

Segundo anel: ações que reforçam o desconforto

Cada uma das emoções mencionadas anteriormente dá lugar a uma série de comportamentos e ações que podem retroalimentar a persistência de mais de um transtorno psicológico.

  • O medo dá lugar a comportamentos fóbicos.
  • A culpa pode fazer com que a pessoa atribua a si mesma tudo de negativo que acontece em sua vida. Às vezes, porém, em vez de se projetar sobre si mesma, a pessoa pode se voltar contra os outros, a ponto de culpar os demais por qualquer desconforto, erro ou decepção. Desta forma, a pessoa nunca se responsabiliza por si mesma.
  • A vergonha pode se materializar em dois tipos de comportamentos: o cuidador ou o narcisista. O primeiro procurará priorizar os outros para ganhar a aceitação dos demais. Enquanto isso, o segundo procurará subjugar os outros para não sentir vergonha de si mesmo novamente.
  • A raiva pode se traduzir tanto em automutilação (quando se projeta contra a própria pessoa) quanto em reações violentas em relação aos outros (quando se projeta para fora).
  • O pânico/conexão. Neste caso, pode dar origem a dois comportamentos muito específicos: a evitação persistente, como uma forma de não voltar a ter o sentimento de solidão ou, pelo contrário, a necessidade de controlar os outros para não sofrer rejeições.
mulher representando o impacto do trauma relacional complexo
Nossas emoções também podem delinear diferentes estilos de personalidade que fazem dos traumas algo crônico.

Terceiro anel: personalidades associadas ao trauma

O modelo PARCUVE ensina que muitas das emoções de valência negativa que surgem como resultado dos nossos problemas de apego ou de eventos traumáticos podem moldar diferentes estilos de personalidade. De fato, é comum que um bom número de sobreviventes de um evento adverso processe a sua realidade de uma forma muito específica:

  • O medo pode dar lugar a personalidades fóbicas, esquivas e até mesmo adictivas.
  • A culpa pode ser a base de uma personalidade perfeccionista ou, ao contrário, indolente, de quem não se esforça para nada.
  • A vergonha se materializa em perfis dependentes ou narcisistas.
  • No caso da raiva, podemos ter pessoas controladoras e manipuladoras, ou pelo contrário, alguém que odeia a si mesmo.
  • No caso do pânico/conexão, podemos encontrar pessoas dependentes ou com tendências agressivas por causa do medo da rejeição, da solidão e do abandono.

Para concluir, estamos diante de um modelo muito ilustrativo, bem como simples e prático, que nos permite compreender certas distorções na forma de pensar, agir e construir relações claramente infelizes e problemáticas. As emoções são esse elemento central que atua como o fator ontogênico de muitos comportamentos patológicos.


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  • Manuel Hernandez Pacheco (2017): Apego y psicopatología: la ansiedad y su origen. Desclee de Bouwer. Coleccion Serendipia.
  • Teasdale, J.D. (1988). Cognitive vulnerability to persistent depression. Cognition and Emotion, 2, 247-274.
  • Watkins, L. E., Sprang, K. R., & Rothbaum, B. O. (2018). Treating PTSD: A Review of Evidence-Based Psychotherapy Interventions. Frontiers in behavioral neuroscience12, 258. https://doi.org/10.3389/fnbeh.2018.00258

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