O operário: um ano sem dormir

Os thrillers psicológicos têm a capacidade de nos surpreender, nos fascinar e nos mergulhar no mais obscuro e complexo da mente humana. Nessa linha, O operário é um filme que abriga uma descoberta incômoda e que mergulha na mente de um protagonista com o qual dificilmente seremos capazes de simpatizar.
O operário: um ano sem dormir
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 23 novembro, 2022

Christian Bale não parece se importar muito com mudanças físicas. No ano passado ele nos surpreendeu ao ganhar peso para se colocar no lugar de Dick Cheney em Vice. Mas essa não foi a primeira vez que Bale sofreu uma mudança drástica em sua imagem, em 2004 e pela mão do cineasta Brad Anderson, O operário apareceu nos cinemas, um thriller psicológico em que Bale não só ficou irreconhecível, como conseguiu perturbar uma boa parte do público.

A extrema magreza que o personagem de Trevor Reznik exigia deixou o público extremamente desconfortável. Essa aparência física, na realidade, nada mais era do que um reflexo do interior atormentado do personagem principal do filme. Um filme em que tudo gira em torno de Reznik, de um mistério ou uma conspiração contra ele. De uma vida com a qual o espectador não sabe se tem empatia ou se distancia.

Trevor trabalha como operário em uma fábrica e não consegue dormir há um ano, é um personagem difícil de se aproximar e que produz muita rejeição tanto no espectador quanto em seu ambiente de trabalho. Após um grave acidente na fábrica, a vida de Trevor tomará um rumo inesperado que levará o protagonista a um caminho hostil entre a sanidade e a loucura.

O operário é um filme que mergulha profundamente na psique de seu protagonista, que aos poucos nos irá revelando por que ele é tão estranho, por que não consegue dormir há um ano…

Neste artigo, tentaremos não dar spoilers caso você não tenha visto o filme, mas é possível que revelemos alguns pequenos segredos da trama.

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O que acontece com o protagonista?

Essa é a pergunta que ronda a mente do espectador. Estamos acostumados a simpatizar com os personagens, a que despertemo certos interesses em nós, sejam eles bons ou ruins. Não é que Trevor Reznik não desperte interesse, é que não sabemos se queremos que seus planos se concretizem ou não, não sabemos se devemos confiar nele.

Desde os primeiros minutos de filmagem, vemos um homem que está completamente deteriorado fisicamente, sua extrema magreza e sua falta de sono desenham um rosto cadavérico que indica claramente algum problema. Logo perceberemos que algo está errado com Trevor; a falta de sono o afetou, mas não sabemos o que o impede de adormecer. E nessa dúvida reside a magia de O operário.

Em um tom de thriller que às vezes acaba abraçando o terror, o espectador se deixa levar por uma narrativa incômoda, sombria e trágica em que as peças do quebra-cabeça parecem difusas.

Não sabemos se Ivan, o novo operário que atormenta Trevor, é real ou fruto de sua imaginação; tampouco entendemos completamente sua relação com as duas mulheres que marcam sua vida: Maria, uma garçonete, e Stevie, uma prostituta com quem Trevor tem uma relação próxima. Sempre as conheceu? Sentem pena de Trevor?

Pouco ou nada sabemos sobre seu passado e, embora o filme comece com uma cena final, a narrativa aos poucos nos dá pistas. É verdade que o fato de um jogo da forca aparecer na sua geladeira dificulta um pouco a credibilidade, mas é eficaz para aumentar o interesse. Trevor encontra post-its em seu apartamento com o jogo da forca e tentará completá-los.

O espectador logo especulará e pensará que todos os problemas que aparecem na vida do protagonista são fruto da sua insônia. Algo dá errado, algo falha e algum tipo de problema profundo afeta Trevor emocionalmente, mas não conseguimos descobrir o que é. Como chegou até aqui? Ele sempre sofreu de insônia, sempre foi um homem atormentado?

O filme não dá muitas pistas, embora não seja difícil descobrir que algum episódio traumático levou a esse comportamento estranho.

Homem conversando com uma mulher

A chave está na encenação

A todo momento, o filme se move em um ambiente monocromático, tons frios de cinza e azul permeiam a tela. De alguma forma, essas cores evocam certo sentimento de desconfiança, angústia e desconforto no espectador. Eles não são verdes vivos, mas turvos, como a cor que associamos à água estagnada. A representação dos tons verdes desperta em nós um sentimento de rejeição, traição ou manipulação.

De certa forma, esse tom verde apagado, acinzentado e sujo corresponde à verdade de Trevor, com uma manipulação mental a que está sendo submetido, embora não saibamos de onde vem. Não podemos entender se é Ivan, um de seus amigos ou o próprio personagem que exerce pressão em sua mente.

O mesmo acontece com os tons de azul, uma constante ao longo do filme, pois longe de ver um azul brilhante, vemos um azul nublado que evoca o onírico, o mundo dos sonhos, esse mundo que Trevor não consegue alcançar.

O azul pode ser interpretado como um engano aos sentidos, como uma falsidade devido à sua própria ligação com os sonhos. Nesse sentido, o que estamos vendo não é inteiramente real, mas uma espécie de miragem da realidade.

Cores ilusórias, nubladas e desconfortáveis desenham o cenário por onde transita um personagem estranho, taciturno e cheio de mistérios. Da mesma forma, a noite assume especial importância e o ambiente de trabalho também, um ambiente que se apresenta como hostil e muito mecânico. Todas essas conotações visuais negativas acentuam a intriga do filme, servem como mais um elemento na narrativa e proporcionam sensações ao espectador.

Da mesma forma, logo perceberemos que a mente de Trevor muitas vezes lhe prega peças. Entre esquecimentos e visões enganosas, ele se vê envolvido em uma perseguição, em uma luta consigo mesmo. Nesse ponto, cabe perguntar-se se a razão está em um transtorno de estresse pós-traumático, se Trevor, na realidade, é vítima de si mesmo, desse passado que desconhecemos e de algum fato que o impede de adormecer.

Trevor em O maquinista

O operário, o terror está na mente

Como vimos apontando, o mais assustador do filme é o próprio protagonista e os estranhos acontecimentos que ocorrem em seu apartamento como resultado do acidente na fábrica. Nosso olhar mantém, em todos os momentos, a incerteza; duvidamos do protagonista e, ao mesmo tempo, queremos descobrir nele algo de positivo. Não sabemos a origem dos problemas em torno de Trevor.

Tudo parece apontar na mesma direção: a mente humana, sua fragilidade. Longe de acreditar em estranhas conspirações, adotamos uma postura que aponta a mente do protagonista como culpada.

De certa forma, todos já sofremos com os problemas causados por uma noite mal dormida e, nesse sentido, podemos nos acostumar com a ideia do conflito que é desencadeado por passar um ano com insônia constante.

Até que ponto nossos sentidos nos enganam? Até que ponto a falta de sono pode nos afetar em nossas vidas diárias? O espectador tentará, a todo momento, decifrar as chaves do enigma. Um enigma que se manifesta na forma de um jogo da forca e que Trevor sempre preencherá a lápis, exceto quando compreender a verdade, o que fará com um marcador permanente, sendo essa uma virada decisiva no caminho da aceitação e superação do problema.

O operário apela para aqueles terrores que estão longe do sobrenatural. Os mecanismos de defesa da mente do protagonista interferem em uma história que é percebida quase em primeira pessoa. Vemos o que Trevor vê, o que Trevor sente e, embora desconfiemos, é a única verdade que temos diante de nossos olhos.

O operário é um filme baseado em obras como O duplo (1846), de Dostoiévski, e de filmes como O inquilino (1976), de Roman Polanski.

Em suma, esse é um filme que adota, no gênero de um thriller, uma história aterrorizante em que tudo gira em torno de um ser humano e sua mente, sua psique. O filme não nos deixa indiferentes e, embora resolva o problema de forma efetiva, provoca dúvida e desconcerto no espectador.


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