O pessimista defensivo, antecipar o pior é sempre uma desvantagem?

Pensar positivamente e confiar no destino nem sempre funciona. Por isso, às vezes, antecipar desafios ou adversidades também é útil: nos permite estar mais preparados e desenvolver estratégias de enfrentamento.
O pessimista defensivo, antecipar o pior é sempre uma desvantagem?
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 12 novembro, 2023

“Tenho certeza que vai dar errado.” Quantas vezes em nossa vida dissemos essa mesma frase para nós mesmos? Muito provavelmente, foram tantas que nem contamos. Assumir expectativas em que fracasso, erro, decepção e até fatalidade estão presentes em nosso horizonte, é algo muito comum. Poucas características definem tanto o ser humano.

Colocar-nos na pior situação, apesar de não haver indícios de que tais suposições aconteçam, define um tipo de mecanismo defensivo orquestrado por um eterno conhecido: a ansiedade. Apesar de vivermos em uma sociedade que nos repete sempre “olhe para o lado positivo da vida!”, há quem resista a isso e coloque os olhos no “lado mais sombrio”.

Isso tem desvantagens claras e algumas vantagens incomuns que devem ser esclarecidas. Porque a ansiedade, afinal, ainda é um mecanismo que busca garantir nossa sobrevivência. Assim, e ainda que nos surpreenda, há momentos em que a antecipação do pior facilita a criação de mecanismos de enfrentamento para encarar qualquer evento futuro…

Em certas ocasiões, o pensamento negativo pode esconder certos benefícios e até potenciais. Mas uma coisa é certa, você tem que fazer uma leitura correta dessa abordagem mental. Nós o analisamos.

Há quem sempre veja nuvens no horizonte, mas ao invés de ser bloqueado pelo medo, medita em possíveis mecanismos para se proteger das tempestades.

Mulher com nuvens para representar o pessimista defensivo
O pessimismo defensivo é um mecanismo de regulação emocional que às vezes pode ser útil e às vezes não.

O pessimista defensivo, quando a ansiedade é adaptativa

O pessimismo defensivo é uma estratégia cognitiva definida na década de 1980 pela psicóloga e presidente da Rutgers-Newark University, Nancy Cantor. É um mecanismo pelo qual as pessoas se preparam para o pior diante daquelas situações que geram ansiedade. É importante esclarecer esse último detalhe.

Não estamos falando do pessimista recorrente, que usa um filtro negativo em todas as circunstâncias. O pessimista defensivo vê resultados negativos apenas nos eventos que causam preocupação. Um exemplo disso é o aluno que tem medo de reprovar nos exames, ou o candidato a emprego que tem medo de não ter sorte no referido processo seletivo e continuar sem emprego.

Agora, há uma nuance interessante que diferencia esse tipo de pessoa. Antecipando-se a possíveis efeitos negativos, desenvolvem uma atitude voltada para a melhoria de seu desempenho. Buscam estratégias para enfrentar qualquer situação de desafio, risco ou ameaça. Para dizer de uma maneira simples, apesar de não terem declarado guerra, eles estão se preparando para isso.

O pessimismo defensivo sabe controlar a ansiedade para que ela sirva de vantagem e não como um obstáculo aos seus planos.

Quando o pensamento negativo pode nos dar uma vantagem

Se há algo que internalizamos quase desde que temos o uso da razão, é que o pessimismo é negativo e o otimismo salva nossas vidas. No entanto, com o tempo descobrimos que a mentalidade positiva não nos deu a felicidade eterna ou nos impediu de mais de uma adversidade. Pois bem, o que acontece com o pessimismo?

A psicóloga Julie Norem é conhecida por suas pesquisas sobre esse tema. Em seu livro O poder positivo do pensamento negativo (2002) ela nos fala justamente desse tipo de personalidade, a do pessimista defensivo. Estes seriam os aspectos mais interessantes que se destacam:

  • O pensamento positivo às vezes atua como uma estratégia ineficaz ao lidar com problemas.
  • A vida moderna é orquestrada por dezenas de pressões e desafios. O pessimista defensivo é definido por uma ansiedade adaptativa, que lhe permite desenvolver uma atitude de enfrentamento adequado diante das dificuldades.
  • Às vezes, o pensamento negativo nos permite elucidar cenários para os quais devemos nos preparar. Também nos dá uma certa dose de realidade ao silenciar o pensamento mágico e a ideia de que tudo ficará bem.
  • O pessimista defensivo procura controlar essa ansiedade que paralisa. Em vez disso, ele se aproveita disso e é motivado a agir em qualquer reviravolta do destino.
Mente com um homem dentro simbolizando o pessimista defensivo
O pessimista defensivo aplica o pensamento pré-factual, ou seja, tenta analisar os fatos antes que eles aconteçam

Como aplicar uma abordagem baseada no pessimismo prático ou defensivo?

O pessimista defensivo, como já apontamos, não se deixa levar por essa negatividade que bloqueia e impede toda conquista, todo progresso. Não estamos lidando com um tipo de atribuição em que a pessoa vê tudo de forma adversa, pois se sente inútil, insegura e muitas vezes até infeliz. Neste caso, estamos lidando com uma série de pessoas proativas que aplicam uma ansiedade claramente adaptativa.

Podemos, portanto, nos beneficiar dessa abordagem mental em nosso dia a dia? Na realidade, será sempre preferível aplicar essa atitude ao invés daquele positivismo cego que deixa tudo nas mãos do destino. Vamos ver algumas dicas que podem nos ajudar.

Pensamento pré-factual

O pensamento pré-factual define uma estratégia cognitiva na qual imaginamos ou ponderamos possíveis resultados sobre um cenário futuro. Isso implica, por exemplo, que diante de um evento que nos desperte medo ou ansiedade, podemos visualizar quais resultados podem ocorrer de nos expormos a ele. Pensaríamos tanto em efeitos positivos e neutros quanto em efeitos negativos.

Uma vez delimitados esses possíveis cenários adversos, raciocinaríamos sobre como agiríamos diante dessas situações mais desfavoráveis. O pessimista defensivo antecipa o pior para enfrentar aquela adversidade imaginada.

Controle da ansiedade

O pessimista prático sabe tirar proveito da ansiedade e o faz aproveitando a ativação psicofisiológica que ela proporciona. Se sente motivado, adota uma atitude proativa e busca soluções para possíveis problemas ao invés de ser bloqueado por eles, mesmo que não tenham acontecido. Como explica a psicóloga Julie Norem em um estudo clássico de 1983, a ansiedade atua como um mecanismo motivador nesses casos.

Porque, embora às vezes nos esqueçamos, a ansiedade adaptativa busca facilitar nosso bem-estar, permitindo-nos enfrentar os riscos e ameaças do nosso ambiente. Portanto, um passo crucial é saber regular esse conjunto de emoções e sensações que esse estado gera em nós. O objetivo é dominar a ansiedade e colocá-la a nosso favor, evitando que ela nos domine.

Clarificar metas e propósitos

O pessimismo defensivo é basicamente uma estratégia cognitiva na qual as pessoas imaginam obstáculos ao seu próprio sucesso para agir sobre eles. Fazer isso não apenas reverte sua autoestima e autoimagem, mas também permite que elas melhorem sua capacidade de realização.

Isso nos permite compreender outro aspecto decisivo sobre esse foco mental. Pode-se imaginar o pior diante desse evento que gera ansiedade, mas tem muito claro em todo momento o que deseja obter. É verdade, por exemplo, que dar uma conferência me assusta e acho que posso fazer papel de bobo. Mas não deixo o medo me bloquear porque sei o que quero: surpreender o público.

Para concluir, basta focar, mais uma vez, em um fato muito específico. Às vezes, ter um pensamento negativo ou antecipar uma falha que ainda não aconteceu não é algo patológico. É a nossa mente que nos incita à preparação, à proatividade e à não entrega. Os medos não devem nos bloquear, eles devem nos convidar para a superação.


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  • Norem, Julie & Cantor, Nancy. (1986). Defensive Pessimism. Harnessing Anxiety as Motivation. Journal of personality and social psychology. 51. 1208-17. 10.1037/0022-3514.51.6.1208.
  • Norem, Julie K., and Shannon Smith, ‘Defensive Pessimism: Positive Past, Anxious Present, and Pessimistic Future’, in Lawrence J. Sanna, and Edward C. Chang (eds), Judgments Over Time: The Interplay of Thoughts, Feelings, and Behaviors (New York, 2006; online edn, Oxford Academic, 22 Mar. 2012), https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780195177664.003.0003, accessed 24 Oct. 2022.

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