"Sameblod": estigmatizada por suas origens
Sameblod é um filme encantador, daqueles difíceis de encontrar. Moderado em sua encenação, impressionante em seu enredo. É um filme que denuncia a xenofobia de uma sociedade minoritária, mas sem diminuir a responsabilidade que possa ter na sua situação.
Sameblod nos leva a uma história desconhecida da Suécia supremacista com os Sami, povos indígenas distribuídos entre a Suécia, Noruega, Finlândia e Rússia através de uma história de identidade e luta pessoal.
Estamos na década de 1930. Elle Marja, 14 anos, é uma jovem lapã exposta à segregação em sua escola. Ela sonha com outra vida. Mas, para isso, deve se tornar outra pessoa e se separar de sua família e de sua cultura.
Descendente da comunidade Sami por parte paterna, a diretora sueca Amanda Kernell conta a história do racismo sueco em relação à Lapônia e à comunidade Sami pouco conhecida e raramente representada no cinema, exceto em raros filmes como O Cuco (2002) do diretor Russo Alexander Rogozhkin.
“Sameblod”: a história de uma menina que queria ser sueca
Elle Marja é uma senhora idosa que está viajando de carro com o filho e a neta para o funeral da irmã Njenna. Ao chegar ao local, a mulher se recusa a falar a língua sami e a ter qualquer contato com os assistentes.
Porém, diante de uma lembrança, toda a história oculta de seu passado é ativada em sua mente. Pertencente a um povo com uma identidade forte, Elle Marja aos 14 anos deixa sua família nômade para frequentar um internato para crianças pequenas Sami com sua irmã.
Como ela faz de tudo para se tornar uma verdadeira garota sueca, rapidamente entenderá que suas origens Sami prejudicam suas aspirações. Sua educação é limitada, pois acredita-se na Suécia que os indivíduos dessas cidades não estão preparados para o ensino superior e a vida na cidade.
Racismo institucional sueco
Filha de criadores de renas no extremo norte da Suécia, a protagonista e as demais crianças internadas são vítimas da discriminação étnica, tão popular na década de 1930.
Elle Marja e Njenna, interpretadas por duas irmãs reais Lene Cecilia e Mia Erika Sparrok, são enviadas de sua aldeia para um internato do governo onde são forçadas a falar apenas sueco. Além disso, seus corpos serão submetidos a testes humilhantes para certificar sua raça.
Junto com o tratamento humilhante no internato, o grupo de crianças receberá insultos constantes dos vizinhos, que as veem como “animais de circo” ou “seres subdesenvolvidos”. Mas Elle Marja não pretende mais ser “animal de circo” e quer continuar estudando, apesar do preconceito de que os Sami não têm as mesmas capacidades intelectuais das “crianças normais”.
Depois de se despir de suas roupas tradicionais, a garota foge para Uppsala, onde pede abrigo a um garoto que acabou de conhecer em uma festa perto da escola. Nesse momento, ela está decidida a se matricular na escola oficial sueca.
“Sameblod”: o desgosto de ter que desistir de tudo se você quiser ser você mesmo
A menina Sami, interpretada por Cecilia Sparrok, irradia uma expressividade na tela que reflete todos os instintos do povo Sami crescido na natureza selvagem.
Ao mesmo tempo, também expõe a curiosidade e a determinação da garota em escrever sua própria história e escapar do roteiro que de alguma forma foi escrito para ela. Vemos aqui o inevitável dilema que se reflete no olhar gelado da velha no início do filme. Um olhar cheio de culpa, resignação e dor.
Há pessoas que não podem escolher, só podem desistir. A jovem Elle-Marja só pode estabelecer limites para construir sua nova vida, não construir pontes.
Às vezes, o abismo é tanto que a pessoa tem que pular para chegar ao ponto que quer, que tem que deixar para trás tudo o que carrega consigo; até mesmo sua identidade. A cultura Sami teria reservado para ela um caminho do qual ela se sentia muito distante.
Sameblod, portanto, torna-se uma jornada em busca da identidade, combinando a rejeição do próprio local de nascimento e o desejo de uma nova vida.
“Sameblod”: a negação da identidade grupal para alcançar a pessoal
O filme quer nos fazer refletir sobre os efeitos psicológicos da rejeição de suas origens e da erradicação forçada do contexto social e cultural sem dar resposta. No antigo olhar de Elle Marja, refletem-se o vazio emocional e o dilacerante sentimento de culpa, que desaba diante das preciosas lembranças com a irmã.
Uma irmã que nunca se esqueceu dela; um amor que tinge de melancolia as paisagens do norte da Suécia. No final da vida, voltam as memórias mais intensas e dolorosas. A risada de sua irmã, a canção jojka em um lago.
Sua decisão no final da vida não parece estar em sintonia com a razão e o coração. Sua identidade está escrita em seu sangue, mas sua vida e realização não.
Existe uma espécie de empatia pela protagonista de todas as pessoas que tiveram de emigrar ou abdicar de parte da sua família e da sua história vital como preço para realizar os seus sonhos. Da mesma forma que para Elle Majra, muitas pessoas não escolhem com liberdade.
Não começam uma nova vida tomando o mais importante para si. Suas origens não são impulso ou inspiração, mas lembranças tristes que abatem o estado de ânimo. A protagonista não teve escolha a não ser fazer errado para não terminar da pior maneira possível. Assim, passamos a sentir o luto da própria protagonista.
A diretora mostra como uma garotinha que, vítima do racismo comum, passa a internalizar os próprios preconceitos raciais que tem de vivenciar. Ela deseja integrar-se a qualquer custo; assim terá que diluir-se na massa para deixar para trás sua origem. O filme é uma história comovente que mostra, quase na intimidade, como esse processo pode ser doloroso psicologicamente.