Segundo a ciência, desequilíbrio de serotonina não causa depressão

Pesquisas recentes derrubam a crença de longa data de que os déficits de serotonina são a base da depressão. A questão seria um pouco mais complexa...
Segundo a ciência, desequilíbrio de serotonina não causa depressão
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Pesquisas recentes mostram que a deficiência de serotonina não causa depressão; notícia significativa, pois questiona a base de algumas das intervenções que estão sendo realizadas atualmente. A verdade é que há muitas décadas temos assumido uma visão um tanto reducionista dos mecanismos desse transtorno de humor. Assumir que essa condição é causada por um “desequilíbrio químico” ainda é comum.

Dar tanto valor ao aspecto dos neurotransmissores esconde um lado perigoso; e dizemos esconder porque não é tão óbvio. Nesse sentido, não faltam pacientes que adotam essa idéia e explicam sua condição como consequência natural de um déficit de serotonina. Uma explicação que serve para evitar certas responsabilidades que, de outra forma, lhes corresponderiam.

Por outro lado, na realidade, os psicotrópicos proporcionam algum alívio dos sintomas, não acabam com a depressão. Os antidepressivos aliviam e cobrem o sofrimento, mas não erradicam o problema subjacente que o orquestra. Além disso, esta nova pesquisa demonstra outra teoria muito interessante sobre o mecanismo de ação dos antidepressivos ISRS.

desequilíbrio de serotonina não causa depressão
A ciência questiona o papel da serotonina na depressão.

Serotonina e depressão: questionando o mito

Temos assumido há quase meio século que um baixo nível de serotonina no cérebro impõe sintomas depressivos. A chamada “hipótese da serotonina” foi apoiada por pesquisas com animais e outro fato. Os antidepressivos ISRS baseiam seu mecanismo de ação na inibição da recaptação desse neurotransmissor, aumentando assim sua densidade nos espaços intersinápticos.

Mas o que aconteceu agora para invalidar esses dados há muito aceitos pela ciência? O que aconteceu é que houve uma revisão em larga escala dessa hipótese. Ensaios e todos os estudos anteriores que consideraram essa relação válida foram analisados e, de fato, há erros.

Esta análise e suas conclusões foram realizadas na University College London e publicadas na prestigiosa revista Molecular Psychology. E os resultados são tão claros quanto surpreendentes. Os autores não encontraram evidências válidas, confiáveis e consistentes de que haja uma ligação direta entre os baixos níveis de serotonina e o início da depressão.

Quando os níveis de serotonina das pessoas são medidos, não há diferença entre aqueles que estão deprimidos e aqueles que não estão.

Uma análise que abrange centenas de milhares de pessoas e não vê relação direta

É bem possível que mais de um questione essa conclusão. No entanto, quando vários ensaios, estudos e investigações detalhando os casos de milhares e milhares de pessoas foram analisados em detalhes, é difícil duvidar das conclusões obtidas.

Do ponto de vista genético e com a tecnologia atual, pode-se demonstrar que o neurotransmissor serotonina não está ligado ao transtorno depressivo. Além disso, não foram encontradas evidências de que uma dieta rica em triptofano (essencial para a síntese de melatonina e serotonina) melhore o humor.

E os antidepressivos?

Se o desequilíbrio da serotonina não causa depressão… Por que os antidepressivos reduzem os sintomas associados a esse distúrbio? Bom, antes de mais nada, vale lembrar como funcionam essas drogas psicoativas.

O principal tratamento utilizado para esse transtorno do humor baseia-se na administração de psicofármacos que inibem precisamente a recaptação da serotonina.

Eles são chamados de antidepressivos (ISRS), como sertralina, fluoxetina ou citalopram. E sim, tanto este estudo quanto toda a literatura científica nos dizem que os antidepressivos funcionam, mas, na realidade, ainda não entendemos exatamente por que eles fazem isso.

O que foi visto no presente estudo da University College London citado acima é o seguinte.

O consumo prolongado de serotonina reduziria os níveis basais (na ausência de consumo)

Se existe uma característica que define o cérebro, é a sua plasticidade. O que pode acontecer quando um paciente toma uma droga ao longo do tempo é que seu cérebro muda. Além disso, não só se acostuma com esses produtos químicos, como acaba alterando alguns de seus mecanismos de ação.

O que se viu com os antidepressivos ISRS é que, depois de tomá-los por um longo período, os níveis de serotonina que a pessoa produz naturalmente, uma vez que a droga é retirada, são reduzidos. É como se o cérebro já tivesse esse extra, e tivesse decidido anular boa parte do mecanismo natural para dedicar esses recursos a outros propósitos.

Lembremos que nosso cérebro consome boa parte da energia que gastamos todos os dias, e que também tem a capacidade de se autorregular e retirar recursos ou mudar processos em favor dessa economia. No entanto, se administrarmos fluoxetina ou qualquer outro antidepressivo por um curto período de tempo, os efeitos parecem ser muito positivos: a quantidade de serotonina aumenta.

A chave estaria na neuroplasticidade

Qualquer pessoa que tenha tomado antidepressivos em algum momento da vida sabe como eles funcionam. Em média, eles começam a trabalhar depois de duas semanas. O que os cientistas especulam é que o que as drogas baseadas na inibição da recaptação da serotonina conseguem é promover uma neuroplasticidade favorável.

A chave não é ter um nível mais alto de serotonina em nosso cérebro, mas ter um cérebro com melhores conexões, mais ágil, flexível e orientado a mudanças. Isto é o que alcança uma administração curta e bem ajustada de psicofármacos. Se o paciente também iniciar a terapia psicológica, os benefícios são indiscutíveis.

O cérebro muda e processa a realidade de forma mais saudável.

Mulher ilumina seu cérebro para representar que desequilíbrio de serotonina não causa depressão
As conexões que o cérebro estabelece entre si podem mediar nosso bem-estar ou  em uma abordagem mais patológica.

Então, o que causa a depressão?

Se o desequilíbrio na serotonina não causa depressão, o que  orquestra ela? Neste ponto fica claro que a hipótese com maior peso incide sobre a questão da neuroplasticidade. A ideia básica é que um estado depressivo pode ser resultado de uma deficiência nas conexões entre nossos neurônios.

Por esta razão, desenvolver novas abordagens mentais, estabelecer novos conhecimentos e práticas e levar uma vida ativa muitas vezes significa o bem-estar da pessoa. Da mesma forma, também existem especialistas que nos falam sobre a teoria da inflamação em nossa corrente sanguínea e sua relação com a função cerebral mais pobre. Outros defendem a relação intestino-cérebro.

Agora, o que sempre fica claro é que a depressão é uma condição complexa e multifatorial. Não existe um único gatilho que explique por que caímos nesses buracos negros. Em média, as variáveis genéticas, sociais, experienciais e de personalidade são combinadas. No momento, a ciência está nos fornecendo dados cada vez mais claros a esse respeito.


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  • Moncrieff J (2022) The serotonin theory of depression: a systematic umbrella review of the evidence. Mol Psychiatry (July). doi:10.1038/s41380-022-01661-0.
  • Wenk GL (2019) Your Brain on Food, 3rd Edition, Oxford University Press

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