O que significa o cinismo na filosofia?

Essa escola de pensamento desprezava os valores e excessos tradicionais. Na verdade, os cínicos viam nos cães um modelo a imitar, já que esses animais vivem sem se preocupar com “o que as pessoas vão dizer”.
O que significa o cinismo na filosofia?

Última atualização: 03 setembro, 2024

Certamente você já ouviu ou usou a palavra “cínico” para se referir a uma pessoa falsa ou a alguém que, quando sabe que fez algo errado, não assume a responsabilidade por seus atos. Essa forma de entender o termo é atual, pois em suas origens referia-se a uma escola filosófica.

A atitude dos filósofos cínicos corresponde ao significado do seu nome. O adjetivo “cínico” em grego é “kynikós”, que significa ‘canino’. Por sua vez, essa palavra deriva de “kynós”, que significa ‘cachorro’.

Isso significa que os cínicos eram originalmente pessoas que se comportavam como cães, indiferentes e sem vergonha das coisas que faziam. Seus primórdios remontam à Grécia antiga com os filósofos gregos Antístenes e Diógenes de Sinope, dois grandes representantes do cinismo.

O que chamamos de cinismo na filosofia?

O cinismo na filosofia é um modo de vida caracterizado pelo desprezo pelos costumes e valores tradicionais. Essa perspectiva e modo de viver surgiram na Grécia antiga, quando se perdeu o sentido de comunidade que unia e identificava as cidades gregas.

Os cínicos não apenas desprezavam as convenções de seu tempo, mas também tinham um profundo desdém por aquelas pessoas que levavam vidas repletas de bens materiais excessivos e supérfluos.

Por essa razão, os filósofos cínicos são frequentemente representados como pessoas marginais e selvagens. Isso porque seu estilo de vida era condizente com sua forma de pensar o mundo, vivendo de forma austera e precária.

Essa atitude não pretendia provocar os cidadãos, e sim despertar as suas consciências. Segundo a filosofia do cinismo, uma vida repleta de bens materiais torna as pessoas seus escravos. Além disso, no desejo de obtê-los, há uma destruição da natureza e dos recursos naturais.

Os cínicos consideravam que tínhamos que conviver com o que era justo e necessário de uma forma que satisfizesse as necessidades básicas do ser humano.

Em que contexto surge?

A filosofia do cinismo surge das conquistas lideradas por Alexandre, o Grande, entre 334 e 323 aC. C. A sua vitória sobre Atenas teve um impacto na destruição da democracia ateniense, com todos os seus valores comunitários e políticos.

Assim, estabeleceu-se progressivamente uma nova organização social caracterizada pela figura de um rei que governa e decide os assuntos públicos, sem incluir a comunidade.

Neste contexto, a identidade entre ética e política que fundou o pensamento filosófico grego perdeu sentido. Em vez disso, era necessário que a reflexão se concentrasse em fornecer orientação à vida dos indivíduos. Isso significava que a filosofia tinha que se concentrar na individualidade e não na comunidade.

A filosofia do cinismo forneceu um guia para orientar a vida dos indivíduos, abandonados à sua própria sorte num mundo instável e em mudança.

Os primórdios do cinismo

Embora Diógenes “o Cão” seja geralmente considerado o fundador da escola cínica, na realidade foi Antístenes, segundo especialistas. Diz-se que esse filósofo grego se reunia com os seus ouvintes num ginásio chamado Cinosargo, que em grego significa “O Cão Branco”.

Dessa forma, seus seguidores levaram o nome do estabelecimento ao pé da letra, pois começaram a adquirir e difundir um estilo de vida semelhante ao dos cães.

Em suma, Diógenes de Sinope é o representante mais importante da filosofia do cinismo. Por volta do ano 380 a. C. ingressou no grupo Cinosargo e decidiu aproveitar a história de sua vida.

Diz-se que Diógenes teve que fugir de sua cidade natal, Sinope, atual Turquia, porque seu pai era falsificador de moedas. Ele tomou esse exemplo como parte de sua filosofia de vida, mas de uma forma diferente. Assim, em vez de se dedicar à falsificação de moedas, Diógenes era um falsificador no sentido de que considerava falsos os valores de sua época.

Características dessa corrente filosófica

A filosofia do cinismo propõe a felicidade como o objetivo final a alcançar. Porém, essa felicidade nada tem a ver com a obtenção de bens materiais ou com o estado emocional.

Pelo contrário, é um estado de desapego total que é alcançado graças ao exercício contínuo de suportar as adversidades e satisfazer as necessidades básicas. Nesse sentido, as características desta corrente filosófica são as seguintes:

  • Conceito de askesis. Refere-se ao exercício repetido que visa acostumar nosso corpo e espírito a resistir ao esforço. Assim considerado, é um treino que se pratica diariamente.
  • Infelicidade do ser humano. Os cínicos consideram que os seres humanos são infelizes porque são escravos do luxo e do prazer, que carecem de limites e também enfraquecem o caráter.
  • Exercite-se no sofrimento. Askesis visa exercitar o ser humano no sofrimento. Dessa forma, os prepara para suportar os infortúnios no momento em que aparecem.
  • Autarquia. O ser humano deve poder satisfazer-se com o que tem, sem ter que recorrer a coisas externas. Nesse sentido, trata-se de nos tornarmos seres autossuficientes.
  • Liberdade. Se alcançarmos a independência em relação aos bens materiais externos e obedecermos às leis da natureza, seremos livres.
  • Apatia. Gerar um caráter forte, desprovido de emoções ou paixões, é importante para acalmar a inclinação do ser humano para os bens mundanos supérfluos.

Representantes do cinismo filosófico

Os filósofos cínicos caracterizaram-se pela sua atitude rebelde e pelas suas ações insolentes e desavergonhadas. No entanto, seus esforços visavam levar uma vida austera como demonstração de sua filosofia de vida.

Antístenes (445 aC – 365 aC)

Antístenes foi na verdade o filósofo cínico que moldou essa atitude filosófica. No início, foi discípulo do sofista Górgias. Porém, depois de um tempo, ele conheceu Sócrates e começou a ouvir suas palavras. Isso foi muito importante, pois de certa forma o cinismo de Antístenes foi inspirado no modo de vida filosófico que Sócrates levava.

A filosofia do cinismo começou a ser ensinada no ginásio dos cynosarges até que Diógenes de Sinope começou a espalhar o pensamento cínico.

Diógenes de Sinope (400 aC – 323 aC)

Diógenes de Sinope foi o mais ilustre representante da filosofia do cinismo. Sua visão de mundo, que se reflete em suas frases desconcertantes, levou-o a adotar uma vida sem luxos, atendendo apenas às necessidades básicas de subsistência. Da mesma forma, seu caráter burlesco e desdenhoso em relação às normas ou convenções sociais fez com que ele fosse um personagem pouco estimado em sua época.

Caixas de Tebas (365 a.C. – 285 a.Cs)

O caso do filósofo cínico Crates de Tebas foi muito particular, pois nasceu em uma família distinta e rica. Isto era uma grande contradição com os princípios da filosofia do cinismo. No entanto, Crates distanciou-se das suas origens e destacou-se pelos seus poemas com conotações burlescas e pela sua denúncia do luxo e do desnecessário.

Hiparquia de Maronea (350 a.C. – 280 a.C.)

Na história da filosofia, Hiparquia de Maronea é considerada uma das primeiras filósofas. Foi discípula de Crates de Tebas, com quem se casou e levou um estilo de vida condizente com a escola a que pertenciam.

Hipparquia frequentou diversos espaços públicos onde discutiu com outras pessoas sobre a filosofia cínica e, em alguns casos, sobre o papel típico da mulher, cujo modelo ela estava rompendo. Ela era uma mulher forte que enfrentou duramente as críticas de alguns homens da época por se dedicar ao cultivo da virtude em vez dos cuidados domésticos.

Cinismo no mundo contemporâneo

No mundo contemporâneo, a palavra “cínico” tem um significado depreciativo, muito diferente do que tinha na Grécia antiga. Um artigo publicado pela Universidade de Granada afirma que o termo “cinismo” se refere a uma atitude de pura indiferença e total sarcasmo para com as convicções e valores dos outros.

Para expressar essa discordância, as pessoas cínicas recorrem frequentemente a provocações e insultos. Por esse motivo, muitas vezes são caracterizadas como indivíduos desavergonhados, ofensivos, zombeteiros e críticos.

Apesar disso, existem expressões e tendências que indicam um comedido cinismo moderno, que exalta o seu caráter crítico como forma de liberdade de expressão necessária para rever os valores sociais e políticos de uma determinada sociedade.

O legado duradouro do cinismo filosófico

Ao longo deste artigo, descobrimos que o cinismo na filosofia foi uma escola de pensamento profunda e radical. A sua atitude provocativa foi útil para desafiar as convenções da época em que surgiu. Da mesma forma, buscou difundir e revalorizar uma vida livre de vínculos materiais e falsas aparências.

Porém, esse significado que tinha em seus primórdios estava mudando. Hoje, o cinismo assumiu uma forma bastante pessimista e desiludida com o mundo. Apesar disso, não podemos deixar de exaltar os ensinamentos cínicos, uma vez que nos convidam a refletir criticamente sobre os nossos próprios valores e comportamentos.


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