Superando o grande silêncio do abuso sexual em terapia

O abuso sexual é um evento potencialmente traumático. As pessoas que passaram por isso também têm a difícil tarefa de elaborar um relato do que aconteceu que lhes permita continuar vivendo. Porém, nem sempre encontram na terapia o apoio que precisam...
Superando o grande silêncio do abuso sexual em terapia
Cristina Roda Rivera

Escrito e verificado por a psicóloga Cristina Roda Rivera.

Última atualização: 07 outubro, 2023

O abuso sexual é cercado por muito silêncio nas sessões de terapia. Fomos ensinados a não envolver nenhum paciente nas consultas e a evitar qualquer pergunta que possa ser muito dolorosa. No entanto, essa estratégia, embora respeitosa, não parece ser muito eficaz para quem não superou o abuso sexual na infância.

A terapia deve tentar desvendar o tabu e o trauma quando este atormenta o paciente em inúmeras ocasiões. Além disso, o trauma não se manifesta apenas na forma de pesadelos ou lembranças recorrentes, mas também de várias maneiras e os profissionais precisam ser corajosos para detectá-lo.

Você não precisa se lembrar de aspectos específicos ou detalhes desnecessários. Simplesmente, ter sofrido um abuso sexual pode gerar um sentimento de culpa e vergonha que faz com que os sobreviventes evitem retornar à experiência através do seu relato. O objetivo é evitar a dor, e não experimentá-la novamente.

O grande silêncio do abuso sexual em terapia

O abuso sexual e o estupro são temas tabus até mesmo entre os profissionais de saúde mental. No entanto, é muito comum em nossa sociedade. Não está ligado à classe, etnia, idade, pobreza, gênero ou sexualidade: não conhece limties e qualquer um pode ser vítima de abuso.

Neil Henderson, CEO da Safeline, divulgou alguns dados assustadores sobre abuso sexual no Reino Unido, graças a vários estudos.

1 em cada 5 mulheres (5,8 milhões) e 1 em cada 6 homens (4,6 milhões) no Reino Unido sofreram alguma forma de agressão sexual desde os 16 anos e estima-se que 1 em cada 10 crianças foram vítimas de abuso sexual no Reino Unido.

Além disso, essas estatísticas subestimam o verdadeiro alcance do problema: apenas 1 em cada 6 vítimas revela ou denuncia crimes de violência sexual, devido ao “medo de não acreditarem” ou sentimentos de vergonha e humilhação. 85% das vítimas não dirá se foram abusadas sexualmente e apenas 1,7% de 16% dos estupros são processados.

Por que não se denuncia? A resposta tem muito a ver com o “não irão acreditar” e a vergonha da vítima.

É algo pessoal e as pessoas não querem falar disso. Portanto, os profissionais de saúde mental devem estimular, sem coagir, as pessoas a se manifestarem, conscientizando-as para que saibam que não é culpa delas e que têm alguém com quem possam discutir o assunto de maneira sigilosa.

Homem em terapia psicológica
As pessoas que falam sobre o abuso sexual sofrido têm mais chances de que ele não se transforme em um trauma com efeitos incapacitantes.

Os efeitos do abuso sexual merecem atenção especial

Os efeitos da violência sexual podem ser devastadores e duradouros, afetando não apenas a vítima, mas também familiares e amigos, bem como a comunidade em geral. Muitos dos pacientes do especialista em abuso Neil Henderson sofrem de depressão, transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade, isolamento, transtornos alimentares, abuso de drogas e álcool, automutilação e sentimentos suicidas.

Por exemplo, 15% de todos os suicídios e 40% de todos os jovens sem-teto são atribuídos à violência sexual. Sem apoio profissional e apoio qualificado, as vítimas têm 4 vezes mais probabilidade de serem revitimizadas.

Efeitos duradouros no estresse diário

A Dra. Marianne Torp Stensvehagen conduziu entrevistas em profundidade com 10 vítimas de abuso e 57 outras responderam a um questionário. Poucos investigaram essa forma de estresse cotidiano contra pessoas que sofreram abuso sexual, mas ela explorou o tema em sua tese.

Todos nós experimentamos estresse na vida cotidiana, mas ter sofrido abuso sexual se traduz em uma dificuldade adicional muito significativa em lidar com isso. Uma forte conexão foi encontrada entre o estresse diário e os sintomas relacionados ao trauma, de acordo com o pesquisador.

A novidade do estudo está nos resultados que indicam que a intensidade dos sintomas de TEPT em mulheres gravemente abusadas sexualmente estava relacionada a um alto grau de percepção de incômodos diários, uma baixa quantidade de estímulos positivos diários, o uso de estratégias de enfrentamento desadaptativas e um baixo nível de estabilidade emocional.

Os resultados nas escalas de incômodo, melhora e enfrentamento são potencialmente interessantes do ponto de vista intervencionista. Os eventos aversivos da vida, como o abuso sexual, podem estar fora de controle para a mulher que os sofre, devido a uma óbvia posição de desvantagem em relação ao seu agressor. No entanto, a avaliação e o enfrentamento dos acontecimentos cotidianos podem ser aprimorados em intervenções direcionadas aos sobreviventes.

Estresse diário e prolongado que pode ser camuflado com outros problemas psicológicos

Para as mulheres que sofreram abuso sexual, as situações em que esse fato é lembrado são muitas e variadas.

O abuso afeta todo o cotidiano das pessoas com quem conversei. Nas entrevistas, foi mostrado que muitas das atividades cotidianas consideradas normais, como pegar o ônibus ou ir à loja, algumas dessas mulheres vivenciam como se fosse um estresse insuportável”, diz Torp Stensvehagen.

Por exemplo, o medo de reconhecer o perfume ou a forma de falar do seu agressor enquanto se está em algum lugar se torna intolerável. Muitas pessoas com histórico de abuso sexual no passado queriam se isolar durante muito tempo após o ocorrido, pois só sentiam culpa e vergonha após o abuso.

Gradualmente, com o tempo, isso se instala no corpo. Pode haver muitas doenças físicas e comportamentos para os quais nenhuma explicação pode ser encontrada, mas eles estão lá. Muitas pessoas ficam de fora do cotidiano normal, da educação e da vida profissional. Vivem seu sofrimento em completa solidão e sem ajuda profissional durante toda a vida.

O estudo descobriu que as mulheres que apresentavam sintomas de TEPT relataram mais estresse diário, menos prazeres comuns, pouca pausa em suas vidas diárias e mais uso de estratégias de enfrentamento inadequadas.

E se ao perguntar ao paciente se sofreu algum tipo de abuso abrimos a porta para um novo começo? Você sempre tem a opção de não contar, mas nós lhe damos a opção de fazê-lo, talvez seja o impulso que muitas pessoas precisam.

Mulher triste em terapia
A culpa e a vergonha são as emoções mais vivenciadas após uma experiência de abuso sexual.

Os grandes efeitos terapêuticos de decidir falar

Os profissionais de saúde mental têm o dever de ajudar a prevenir as consequências negativas a longo prazo de um evento traumático. Isso requer que eles conheçam os sinais e sintomas comumente apesentados pelos que passaram por um abuso sexual. O assunto é difícil de falar, muitos têm medo de dizer algo errado ou fazer perguntas inadequadas.

É na formação em trauma que se encontra a oportunidade de obter formação e ajudar os pacientes. Por sua vez, problemas físicos e emocionais relacionados ao estresse, sintomas e possíveis doenças podem ser evitados. Se isso vira rotina, o profissional que pergunta fica mais confiante e quem é perguntado não acha tão ruim justamente porque perguntar tornou-se uma rotina. Se fizermos dessa maneira, podemos descobrir mais pessoas que sofreram abuso.

É muito importante descobrir o abuso sexual, promover que se expresse o que aconteceu sempre que se manifestar uma dor evidente e obter ajuda o mais rápido possível. Isso pode significar redução do estresse e melhores estratégias de enfrentamento a longo prazo, algo que todas as pessoas afetadas agradecerão aos profissionais de saúde mental.


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  • Henderson, L. (1996). Sin narrativa: Abuso sexual infantil. Virginia J. Soc. Pol’y & L. , 4 , 479.
  • Stensvehagen MT, Bronken BA, Lien L, Larsson G. Interrelación de estrés postraumático, molestias, mejoras y afrontamiento en mujeres con antecedentes de abuso sexual grave: un estudio transversal. Revista de Violencia Interpersonal . 2022;37(5-6):2289-2309. doi: 10.1177/0886260520935479

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