O vento não leva embora as palavras

O vento não leva embora as palavras

Última atualização: 02 março, 2017

É verdade que a nossa memória comete erros, mas daí a dizer que ela não existe há um longo caminho. Um caminho que não está isento de importância e que às vezes é terreno fértil para aqueles que querem se livrar dos compromissos que adquiriram. Graças a estes oportunistas, popularizou-se a expressão que diz que o vento leva as palavras.

Esta metáfora no fundo diz que aquilo que é pronunciado e não escrito e assinado tem um peso menor que o de uma folha caduca e amarelada, dessas que caem das árvores no outono. Talvez no âmbito legal seja assim, mas no âmbito pessoal isto está muito longe de funcionar deste jeito.

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Cumprirá com seu compromisso?

Como dizíamos no início, contamos com uma memória que patina, mas é memória no fim das contas. É nela que ficam gravados os compromissos pessoais que adquirimos e os que os outros adquirem conosco. Quando uma irmã se compromete a pegar as crianças, ela não assina nenhum documento legal para confirmar isto, simplesmente diz que irá comparecer. Ela dá a sua palavra, que rubrica com a sua identidade.

Assim, ela mesma fica aderida à sua palavra. Uma coisa que em teoria nos relacionamentos humanos deveria pesar mais do que um rabisco em forma de assinatura. Por outro lado, nos apegaremos a essa palavra segundo o número de vezes que ela tenha cumprido suas promessas no passado, e levaremos em consideração especialmente aquelas que implicaram um custo semelhante para a pessoa que nos deu a sua palavra.

Isto é, se sabemos que essa irmã essa tarde não tinha planos e nem é provável que surjam, vamos procurar encontrar situações onde ela tenha assumido um compromisso semelhante. Uma vez localizadas as lembranças, iremos usá-las para estimar se ela cumprirá ou não cumprirá sua palavra.

Por outro lado, se ela mora longe e sabemos que esta tarde tem uma atividade de que gosta e que poderia interferir no horário, recorreremos às lembranças em que ela assumiu um compromisso de alto custo. Desta forma, também as usaremos para estimar se cumprirá ou não cumprirá.

Para esta estimativa também avaliaremos outros fatores, como as possíveis motivações para assumir este compromisso. Talvez ela adore as crianças e enxergue os momentos que passa com seus sobrinhos como instantes de prazer e deleite. Isto diminuirá sem dúvida o custo estimado, caso ele exista. Pelo contrário, irá aumentá-lo se ela não gosta da companhia dos seus sobrinhos e a atividade parece ser um peso.

Por fim, vale dizer que o aumento do custo não tem por que aumentar necessariamente as probabilidades de que alguém não cumpra a sua palavra. Existem certas pessoas que, por diferentes motivos, como se quisessem se fazer de generosas, podem responder a compromissos de alto custo e não fazê-lo diante daqueles que têm um baixo custo.

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As palavras que ferem, as palavras que dão força

Existe outro tipo de palavra que dificilmente o vento leva da nossa memória, e são aquelas que nos disseram as pessoas que apreciamos e que nos causaram muita dor. Podemos pensar que as disseram em um momento de frustração e depois compreendemos que não se sentiam exatamente assim, mas não é tão fácil apagá-las da memória, não é como o vento que pode levar uma folha que cai lentamente de uma árvore.

O problema é que estas palavras ficaram registradas junto a uma profunda marca emocional, e nossa memória não costuma se esquecer daquilo que provoca marcas profundas. Existe uma exceção: que o fato supere a nossa capacidade de assimilação emocional e esconda a lembrança com uma amnésia dissociativa.

Contudo, mesmo com este tipo de amnésia, a pessoa poderia ter sentimentos de rejeição em relação a quem a feriu mesmo que não saiba explicar por quê. Desta forma, as palavras que pronunciamos não são elementos inócuos lançados ao ar escritas com lápis fácil de apagar. Muito pelo contrário, são elementos de influência que podem nunca ser apagados.

Finalmente, cabe apontar um último dado importante, embora este seja um tema que daria para um livro inteiro. As palavras que recebemos deixam marcas em nós, mas as que pronunciamos também o fazem. Assim como falamos da profunda ferida pelas palavras ouvidas, as que pronunciamos também podem nos deixar sentimentos muito intensos, como a culpa (do ponto de vista negativo) e o orgulho (do ponto de vista positivo). De modo que não, o vento não leva as palavras. Algumas nem mesmo um furacão.

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