Autocompaixão, educação e gordofobia

Falar de gordofobia é falar de discriminação em relação a um tipo de corpo que está fora do padrão estético atual. As pessoas que sofrem essa discriminação são apontadas e ao mesmo tempo invisibilizadas.
Autocompaixão, educação e gordofobia
Andrea Pérez

Escrito e verificado por a psicóloga Andrea Pérez.

Última atualização: 05 janeiro, 2023

O padrão estético dominante nas últimas décadas deu origem a um tipo de discriminação contra os corpos gordos que foi cunhado com o termo gordofobia.

A obsessão pela busca da beleza não é novidade. Se a história da arte nos ensinou alguma coisa sobre o padrão estético, é que ele é mutável e variável. Das Vênus de Willendorf e suas formas voluptuosas na pré-história, passando pelas Graças com quadris largos e pele pálida que Rubens retratava no Renascimento e continuando com os corpos perigosamente confinados em espartilhos das mulheres vitorianas.

Desde o surgimento e popularização do cinema e dos meios de comunicação de massa e sua facilidade em atingir um público maior, o padrão vem evoluindo com mais intensidade e variabilidade. Os corpos esbeltos e retilíneos daqueles loucos anos 20. O retorno aos corpos curvilíneos da femme fatale do cinema policial. Os corpos infantiscdas Lolitas dos anos 50. A extrema magreza das passarelas dos anos 90.

Então, até chegarmos onde estamos hoje. Um padrão que para as mulheres é caracterizado pela magreza e barriga chapada e com lábios, seios e bunda volumosos; enquanto para os homens os requisitos são altura, musculatura corporal e falta de gordura no abdômen.

Mulher olhando no espelho
O padrão de beleza atual é rígido, exigente e totalmente discriminatório.

A ideia inflexível de beleza, o terreno fértil da discriminação

Normalmente, a forma como o padrão de beleza a ser seguido é apresentado socialmente é uma ideia rígida, inflexível e uniforme. Existe apenas um padrão de beleza e desviar-se dele pode ser, como ocorre na obesidade, motivo de discriminação.

Essa maneira de perceber o corpo como algo estático, que não muda apesar dos anos, onde não há espaço para gordura, rugas, cabelos grisalhos, espinhas ou pêlos, significa deixar de fora a maioria das pessoas que vivem neste planeta.

Esse ideal inflexível de beleza afeta nossa percepção – tanto de nós mesmos quanto dos outros. Publicamente, afeta a maneira como nos vestimos, as situações em que podemos sentir que nosso físico está sendo julgado ou exposto e a relação que estabelecemos entre nosso corpo e outras pessoas ou contextos. De forma privada, pode afetar nossa autoestima e nossa relação com a roupa, alimentação e exercícios.

O movimento body positive busca flexibilizar o padrão de beleza, abrindo espaço para a diversidade de corpos e formas que podemos encontrar. Valorizar a beleza não em se aproximar ou se afastar de uma “norma”, mas em que todos, cada um de nós sendo único e diferente, pode gozar dos mesmos direitos que os outros, independentemente da altura, do peso ou da cor da pele.

Os múltiplos braços da gordofobia

Embora possa estar revestido de preocupação com a saúde, esse estigma vai além do mero indicador de um corpo saudável. A gordofobia condiciona a vida de quem a sofre e está presente de forma silenciosa em muitos momentos do dia a dia. Às vezes assume a forma de um olhar, outras vezes assume a forma de um comentário nocivo revestido de boas intenções e desejos, outras vezes a discriminação simplesmente tira o seu disfarce e aparece da forma mais pura e nociva.

As mensagens discriminatórias podem vir de todos os lados: amigos, familiares, publicidade, profissionais da saúde, mídia, redes sociais, cinema, moda, etc. Como uma gota d’água que cai sempre no mesmo lugar, as primeiras não irão machucar, enquanto as últimas doerão antes mesmo de cair. Dia após dia, mensagem após mensagem, por mais inocentes ou bem-intencionadas que pareçam, podem corroer a autoestima das pessoas que as recebem.

As feridas dessa discriminação podem se arraigar em nossas vidas, produzindo uma grande dor emocional toda vez que o dedo de outra pessoa ou o próprio a toca. Quando isso acontece e essa dor assume a forma de vergonha, ansiedade, dificuldade em tomar decisões ou problemas alimentares, é quando temos que rever essa inflexibilidade que tornamos nossa para aprender a nos relacionar com o corpo, com a comida, com os outros e com nós mesmos de forma mais flexível e saudável.

O mal-estar não é causado por você, mas está em suas mãos escolher desde onde você vai se relacionar com ele

Imagine que você está andando pelo mato e, de repente alguém te empurra para um rio próximo. Não foi sua culpa estar lá, claro que você não escolheu, mas o fato é que agora você está se molhando e está em tuas mãos sair daquele rio.

Algo semelhante acontece com a gordofobia e o mal-estar gerado pelo pdarão estético. Não escolhemos o padrão atual, nem a influência que ele teve sobre nós. Porém, podemos escolher de onde queremos nos relacionar com esse mal-estar e até que ponto vamos deixar que ele interfira em nossas vidas.

Algumas pessoas veem sua vida completamente paralisada por esses pensamentos e sentimentos negativos sobre seu corpo. É até possível que existam pessoas que se apropriem desse mal-estar e se culpem por senti-lo.

Deixe-me dizer uma coisa importante: a culpa não é sua, seu corpo não é mal feito, você não precisa escondê-lo ou justificá-lo. Você não cometeu nenhum erro por viver no corpo que habita. Se você já foi discriminado por causa de seu peso e tamanho, foi injusto e, certamente, doloroso.

É válido sentir essa dor, essa ferida. Não importa a forma do nosso corpo, graças a ele podemos nos divertir, sentir prazer, alegria, nos emocionar, rir até chorar, amar e ser amados. Olharmos a nós mesmas com autocompaixão e estar ciente de que não há nada de errado com nosso corpo será um passo importante para aprendermos a nos relacionar conosco e com os outros.

Mulher triste olhando no espelho
A autocompaixão nos ajuda a nos relacionar com nossos corpos de uma maneira diferente.

Educação, compaixão e respeito

As ideias e os pensamentos se enraízam tão profundamente que podem ser confundidos com a realidade. Sem perceber, podemos estar caminhando cegamente, sem olhar para o caminho da realidade, guiados por nossos medos e pensamentos e não por nossos sentidos.

O padrão estético, a gordofobia e a importância da beleza estão tão profundamente enraizados em nível individual e social que podemos nos mover pela ideia dessa beleza, dessa norma, em vez da realidade que percebemos todos os dias.

Um bom exercício para nos relacionarmos conosco e com os outros é trabalhar a compaixão pelo outro e por si mesmo, ouvindo suas experiências e revisando as nossas. Parar para refletir sobre como isso nos afeta e nos limita. Falar conosco como se estivéssemos falando com nosso melhor amigo e tratar os outros como gostaríamos de ser tratados.

Esses pensamentos e emoções orientam a maneira como nos relacionamos conosco e com nosso ambiente. A contemplação do belo clama pelo bem da nossa saúde, um olhar mais amplo e plural .

Ficar apenas no âmbito da estética, identificar o valor de uma pessoa por um número ou um tamanho é reducionista, simples e prejudicial. Está nas mãos de todos evitar que a gordofobia, a discriminação corporal e a violência estética continuem se espalhando e afetem a qualidade de vida de quem sofre com isso.


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