Cerebelo e pensamento divergente: uma relação incrível

Pensar de forma divergente, imaginar, resolver problemas de maneiras mais inovadoras... Todos esses processos mais complexos e sofisticados são mediados por um órgão ao qual quase não prestamos atenção: o cerebelo.
Cerebelo e pensamento divergente: uma relação incrível
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 15 novembro, 2021

O cerebelo e o pensamento divergente estão relacionados de uma forma surpreendente, perturbadora e decisiva. Até recentemente tínhamos como certo que as únicas funções que esse órgão desempenhava diziam respeito à memória e à coordenação motora. No entanto, atualmente sabemos que ele é decisivo em boa parte dos processos cognitivos superiores.

É interessante notar que uma das primeiras pessoas a ficar fascinada pelo cerebelo foi Leonardo da Vinci. Foi por volta do ano 1504 que, em uma de suas noites furtivas de pesquisa com cadáveres para entender a fisiologia humana, ele encontrou essa área localizada na fossa posterior do crânio. Ele o chamou simplesmente de “cérebro pequeno (cerebelo)”.

Mais tarde, entre os séculos XVII e XIX, seu papel em dimensões como o equilíbrio, a postura, a aprendizagem motora e habilidades motoras finas (como a capacidade de escrever) foi descoberto. De lá para cá, esse pequeno cérebro tem sido subestimado e mal compreendido, apesar de muitos neurologistas já terem percebido a sua relevância.

É hora de lhe dar a relevância que ele merece e entender como ele nos ajuda no dia a dia.

Mão segurando luzes

Qual é a relação entre o cerebelo e o pensamento divergente?

Esse dado deveria chamar a nossa atenção: o cerebelo representa pouco mais de 10% do volume total do cérebro. No entanto, ele abriga quase 80% de todos os neurônios cerebrais. Algo assim já nos dá uma pista inquestionável de que a sua importância pode ser muito maior do que pensávamos a princípio. Portanto, deduzir que ele pode cuidar de mais do que tarefas motoras é algo lógico.

Sabemos, por exemplo, que graças a este órgão dirigimos ou pedalamos uma bicicleta sem termos que nos “lembrar” de como fazê-lo. Ou seja, o cerebelo facilita e integra a memória motora e automatiza grande parte dos movimentos que fazemos no dia a dia. No entanto, foi na última década que os cientistas começaram a prestar mais atenção a esta área para descobrir vários aspectos. São os seguintes.

Cerebelo e pensamento divergente

Um estudo publicado no Creativity Research Journal pelo Dr. Jalil Pasl em 2007 destacou a relevância do cerebelo em funções como memória de trabalho e criatividade. Recentemente, Christopher J. Steele, do Instituto Max Planck de Cognição e Neurociências em Leipzig, revelou algo ainda mais decisivo.

O cerebelo tem uma conectividade muito densa com várias áreas do cérebro. Esta região é tão compacta e altamente interconectada que está presente em um grande número de processos cognitivos superiores.

  • O cerebelo está relacionado a habilidades como a comunicação, a criatividade e a capacidade de pensar de forma original e inovadora (pensamento divergente).
  • Além disso, algo muito importante foi visto. Os transtornos do espectro do autismo (TEA) estão intimamente relacionados às células de Purkinje e ao cerebelo. As crianças que têm uma melhor conectividade cérebro-cerebelo e mostram melhores habilidades motoras desenvolvem melhores habilidades de comunicação e socialização.

Allan Reiss, professor de radiologia, psiquiatria e ciências comportamentais da Universidade de Stanford, observa o seguinte:

“As nossas descobertas representam um avanço na nossa compreensão da fisiologia da criatividade baseada no cerebelo. Descobrimos que a ativação dos centros de controle executivo desta região nos permite planejar, organizar e gerenciar as tarefas de forma criativa. O pensamento divergente também está ligado a esta área, para que, graças a ele, possamos impulsionar a arte, a ciência e os negócios”.

O cerebelo e a inteligência fluida

Lembre-se de que a inteligência fluida se refere à capacidade de realizar operações mentais e resolver problemas de maneira original, sem nenhum conhecimento prévio. Ou seja, define a capacidade de enfrentar desafios sem ter estudado antes.

O cerebelo e o pensamento divergente estão relacionados a esse tipo de inteligência. Mihály Csíkszentmihályi lembra ainda que este tipo de habilidade é aquele que consegue uma maior sincronização e conectividade dos hemisférios cerebrais. Agora, sabemos que o cerebelo também está envolvido nesse processo.

Representação do cerebelo

Temos um problema sério com o cerebelo

Já sabemos da grande relevância deste órgão que tanto atraiu a atenção de Leonardo da Vinci. Está claro para nós que o cerebelo e o pensamento divergente estão significativamente relacionados. Agora, há um problema – ou, de fato, vários.

  • O cerebelo se atrofia com o estilo de vida sedentário, falta de exercícios e um estilo de vida passivo.
  • A exposição excessiva às telas do computador e do telefone celular reduz o seu tamanho e a sua conectividade.

Essas duas dimensões são sérias o suficiente para nos fazer pensar. Hoje, contamos cada vez mais com o uso da tecnologia, a ponto de deixar que ela pense por nós. Quase não fazemos cálculos mentais. Já não sabemos como nos orientar numa cidade sem recorrer ao GPS.

Além disso, a escrita manual está em perigo de extinção. Por que usar lápis e papel se temos um processador de textos? Não percebemos, não temos consciência, mas tudo isso tem um impacto sério no nosso cérebro.

Permitir que os nossos dispositivos substituam muitas das tarefas que fazíamos mentalmente ou manualmente resulta na atrofia do cerebelo, em um envelhecimento lento e prematuro de uma região essencial para o ser humano e o nosso progresso. É importante refletir sobre isso.


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  • Pasl A. Jalil (2007) Working Memory, Cerebellum, and Creativity, Creativity Research Journal, 19:1, 39-45, DOI: 10.1080/10400410709336878
  • Wagner, M. J., & Luo, L. (2020, January 1). Neocortex–Cerebellum Circuits for Cognitive Processing. Trends in Neurosciences. Elsevier Ltd. https://doi.org/10.1016/j.tins.2019.11.002

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