Como posso ajudar alguém que está se automutilando?

Você descobriu que alguém próximo a você recorre à automutilação? Falamos de uma situação difícil e delicada que nem sempre sabemos enfrentar. Se você se encontra agora mesmo nessa situação, damos algumas dicas para ajudar essa pessoa.
Como posso ajudar alguém que está se automutilando?
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 14 abril, 2023

Há emoções muito cruas, daquelas com as quais você não sabe bem o que fazer e que grudam como uma camada a mais, como uma substância estranha que arde e dificulta a vida. Para aliviar essa dor, há quem recorra à “automutilação”, uma lesão no próprio corpo que busca canalizar e até anestesiar momentaneamente o sofrimento emocional.

É um ato completamente disfuncional, nós sabemos. No entanto, por trás da automutilação está uma amálgama altamente complexa de gatilhos e razões difíceis de lidar. Também para entender. Da mesma forma, é importante levar em consideração que esse comportamento é considerado um problema de saúde pública que, em muitos casos, está relacionado ao suicídio.

Pesquisas como a realizada na Universidade Federal da Bahia, no Brasil, indicam que a prevalência global de lesões autoprovocadas é muito grave na população adolescente. Cerca de 20% dos meninos e meninas sofrem com isso. É uma realidade de grande impacto para as famílias e para a nossa sociedade, algo que exige sensibilidade na sua compreensão e abordagem.

Vamos analisar a seguir quais chaves devemos levar em consideração, caso alguém próximo apresente esse comportamento.

O comportamento autolesivo é mais frequente no gênero feminino.

Menina adolescente que sofre simbolizando como ajudar alguém que está se machucando
Uma das principais estratégias para ajudar alguém que recorre à autoagressão é evitar o julgamento.

Como você pode ajudar alguém que se machuca

Quando alguém próximo a nós recorre à autoagressão, é comum nos perguntarmos o porquê. É difícil entender por que uma pessoa se inflige uma ferida, um corte, uma escoriação, uma queimadura ou arranca os cabelos. Desde a Universidade Estadual de Nova Jersey, por exemplo, destacam em um estudo que a dor física é uma forma de distrair a angústia emocional.

Por outro lado, é possível falar de uma hipótese extra. Boa parte da automutilação não suicida é uma tentativa de “sentir alguma coisa”. O entorpecimento emocional é tão profundo que eles precisam experimentar alguma sensação. São, como podemos intuir, realidades muito duras que podemos enfrentar em algum momento.

Agora, como agir? Como ajudar alguém que se machuca? A primeira coisa que experimentamos nessas circunstâncias é o desejo de salvá-los e convencê-los a não repetir mais aquela ação. No entanto, essas estratégias – totalmente compreensíveis – nem sempre funcionam. Vejamos uma série de passos para refletir e ter em mente.

Quando uma pessoa se machuca, o que ela sente depois é vergonha. Devemos entender que essa é a única estratégia de enfrentamento disponível para eles. Está em nossas mãos ajudá-los a orientá-los em busca de melhores recursos e ferramentas.

1. Evite julgar

Quando descobrimos que alguém está se machucando, é comum sentirmos rejeição e perplexidade. Quase automaticamente podemos dizer: “Mas por que você fez isso, você está louco?” Essa é a pior frase que pode sair da nossa boca, é uma expressão que devemos evitar a todo custo.

Se quisermos ajudar alguém que se automutila, evitemos julgamentos, críticas, comentários impulsivos. A última coisa de que alguém que lida com sofrimento emocional elevado precisa é ser acusado e punido. Vamos ficar tranquilos e entender uma questão muito simples: quem se machuca aplica a única estratégia de enfrentamento que conhece ao que lhe acontece.

2. Reconheça suas emoções e dê-lhes espaço

A automutilação é um mecanismo disfuncional para lidar com sofrimento emocional grave. Essa angústia não vai embora apenas dizendo a eles que “tudo vai ficar bem” e “confie em mim, eu vou te ajudar”. O que essas pessoas sentem depois de serem feridas é vergonha e, em geral, não será fácil para elas se abrirem ao diálogo.

Portanto, uma estratégia útil é oferecer-lhes compreensão, fazê-los ver que podemos nos sintonizar com sua realidade. Pergunte a ele: “Como você se sente?”, “Que sensação você está experimentando agora?”. É evidente que não lhes será fácil para colocar em palavras o que está dentro deles em todos os casos. É bom dar-lhes tempo e espaço.

4. Demonstre preocupação e cuidado

«Você não está sozinho nisso, estou com você em tudo o que você precisa. Eu cuido de você”. Quem busca se machucar para sentir algo ou aliviar o peso da angústia pela ferida, também experimenta a solidão. Muitas vezes assumem que todo aquele emaranhado de pensamentos e emoções nunca irá embora, que a dor agora será permanente.

O apoio do entorno, dos laços afetivos e do saber ser sem julgar ou querer controlar é um pilar indiscutível nesses casos. Não hesitemos em mostrar-lhes aquela preocupação sincera que, sem querer controlar ou impor, se interessa por cuidar e estar presente.

6. Seja imparcial sobre a automutilação, mas tome cuidado

Vamos evitar reagir intensamente à visão de lesões. Qualquer resposta exagerada fará com que o automutilador se sinta mais envergonhado. O ideal nesses casos é ser imparcial, mostrar-lhe que não precisa se desculpar ou falar nada se não quiser.

Se quisermos ajudar alguém que se machuca, evitemos reforçar o estigma em torno disso. Cuidemos da linguagem, limitemos reações e atitudes espontâneas que possam erguer repentinamente um muro entre a pessoa amada e nós.

Da mesma forma, não hesitemos em oferecer apoio para tratar aquelas feridas físicas que às vezes estão ocultas, mas podem exigir assistência médica.

Existem muitos tipos de automutilação e muitos deles podem passar despercebidos. Quando descobrirmos que alguém próximo a eles os executa, não vamos julgar e manter a devida imparcialidade. O mais importante é oferecer compreensão e orientar a pessoa a solicitar ajuda especializada.

7. Lembre-se, você não pode assumir a responsabilidade pela outra pessoa

Quando testemunhamos como um ente querido se autodestrói, queremos salvá-lo. Ficamos obcecados em resgatar, em fazer pelos outros o que eles não podem fazer por si mesmos. Essa abordagem seria muito perigosa, porque não podemos colocar as tarefas dos outros em nossos próprios ombros.

Nossa função será apoiar, compreender, acompanhar, saber estar presente; mas não devemos assumir as responsabilidades daqueles que devem trabalhar em sua própria recuperação. Mesmo que nos custe, devemos delegar, dar nossa confiança ao outro.

8. Guia para solicitar ajuda especializada

Por trás desse tipo de situação existem realidades profundas, experiências que não foram enfrentadas e um grande acúmulo de emoções a serem enfrentadas. A pessoa sozinha não pode com essa conjunção de sofrimentos. Além disso, já sabemos que as estratégias de enfrentamento que ele aplica não são adequadas.

De fato, não podemos ignorar que algumas das automutilações têm intenções suicidas e como tal é oportuno agir. Se quisermos ajudar alguém que está se automutilando, vamos orientá-lo a procurar atendimento especializado. A terapia psicológica, somada ao suporte social do entorno são dois pilares que facilitarão sempre o melhor andamento.

Mulher em terapia psicológica simbolizando como ajudar alguém que está se automutilando
É fundamental que estimulemos e saibamos orientar a pessoa que se automutila a iniciar terapia psicológica.

Nota final

Como familiar, amigo ou parceiro de alguém que recorre a esses comportamentos, existe uma verdade inegável: nunca entenderemos totalmente por que essas ações são realizadas. É algo difícil de assumir; os problemas de saúde mental são realidades muito poliédricas e é difícil compreender em detalhe toda a sua anatomia.

O mais importante em todos os casos é saber que essas encruzilhadas psicológicas podem ser superadas. A pessoa que recorre à automutilação deve abordar e trabalhar em terapia psicológica as dimensões latentes que promovem esse comportamento. Aos poucos, você terá ferramentas adequadas para lidar com o desconforto emocional de forma mais eficaz e, principalmente, saudável.

Saibamos ser aliados nessa jornada de cura, facilitadores do apoio que sabe estar em casa, sem estigmatizar. Estamos perante uma emergência social particularmente grave nos nossos jovens e cabe-nos saber como a prevenir e tratar. Vamos lá.


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