Diálogo interno distanciado: por que é benéfico?

Como você fala consigo mesmo? Segundo a ciência, promover um diálogo interno na segunda ou terceira pessoa permitirá regular a carga emocional, diminuir a ansiedade e ver a realidade com uma perspectiva maior.
Diálogo interno distanciado: por que é benéfico?
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 17 outubro, 2022

“Sou desajeitado”, “Tenho certeza que se tentar vou falhar de novo e vou passar vergonha”, “ninguém pode gostar de mim assim”. As pessoas temos o mau hábito de falar conosco como se fôssemos um estranho que detestamos. Esse monólogo interno e destrutivo é, em muitos casos, o gatilho para nosso desconforto psicológico.

Às vezes somos como a voz cruel da nossa autoconsciência e outras como o pior coach do mundo, aquele que, ao invés de dar ferramentas e valores, desvaloriza e pune. Essa voz combina pensamentos conscientes com crenças irracionais e preconceitos inconscientes. E, infelizmente, o ser humano tem uma inegável tendência à autocrítica.

Declarações absolutamente radicais como “sou inútil” constroem lentamente o universo de uma depressão. É verdade que não é possível fazer uma pausa nessa voz interior, no entanto, existem estratégias que nos permitem abordar de forma mais respeitosa. A distância psicológica nos ajuda a reduzir o volume dessa severidade extenuante.

O que se chama de diálogo interno distanciado é uma estratégia que favorece o autocontrole e estimula o bem-estar. Às vezes, nada é tão recomendável quanto ver a realidade com um pouco mais de perspectiva e distância…

A voz interior distanciada nos permite filtrar o que nos preocupa de um ponto de vista mais racional e menos emocional.

mulher aplicando diálogo interno distanciado
Quando sentimos ansiedade, falar para nós mesmos na terceira pessoa pode nos ajudar.

Diálogo interno distanciado: o que é e como aplicá-lo

A linguagem que usamos para falar conosco determina, em muitos casos, nossa autoimagem. Ao mesmo tempo, não podemos ignorar a influência que o ambiente costuma ter. A maneira como nossos pais se dirigiam a nós, por exemplo, muitas vezes molda a maneira como damos voz ao diálogo interno.

Além disso, o problema com essa conversa psicológica é que raramente reflete a realidade autêntica. Desvalorizamos a nós mesmos e avançamos com os futuros mais adversos, criando com eles autênticos filmes mentais que nunca são verdadeiros. No entanto, esses raciocínios destrutivos e críticos acabam nos sobrecarregando com sua negatividade a ponto de aumentar a ansiedade e o desconforto.

A boa notícia é que podemos mudar essa dinâmica psicológica. Uma maneira de conseguir isso é se acostumar com o que é conhecido como diálogo interno distanciado. Gainsburg & Kross (2020) publicaram um estudo no qual destacaram que ao aplicar uma certa separação psicológica conseguimos desenvolver um pensamento mais racional e menos emocional sobre o que nos acontece.

Falar consigo mesmo na segunda ou terceira pessoa nos permite reduzir a reatividade emocional que acompanha a ansiedade.

A distância psicológica permitirá que você se trate muito melhor

A Universidade de Michigan também descreveu recentemente a vantagem de aplicar o diálogo interno distanciado para lidar com experiências negativas do dia a dia. Imagine uma pessoa que acaba de ser rejeitada em um processo de seleção para um emprego. Caso você esteja desempregado há vários meses, é possível que sua conversa interna seja dominada por desamparo e bloqueio.

Idéias como “ninguém vai me dar uma nova oportunidade” ou “nunca mais vou trabalhar ” podem surgir em sua mente. Bem, se lhe dermos ferramentas para usar uma conversa interna mais distanciada, essa percepção pode mudar. Pesquisas científicas nos mostram que esse recurso ativa a parte racional do cérebro.

Se essa pessoa desenvolvesse uma voz caracterizada pela separação psicológica, sua perspectiva seria diferente. Uma visão mais ampla e menos focada no fracasso e na negatividade. Seria dito o seguinte: “Tudo bem, Miguel, você não foi contratado para este trabalho. Lembre-se, acima de tudo, que você é uma pessoa competente e experiente. Mais cedo ou mais tarde você encontrará aquela possibilidade que se encaixa no seu perfil.”

Em essência, o que o diálogo interno distanciado nos permite é refletir sobre o que nos estressa de um ponto de vista mais externo e separado do emocional.

Devemos integrar em nosso registro mental a importância de “editar” ou “reestruturar” nosso diálogo interno. Cortar negatividades, preconceitos e autodesvalorização nos permitirá ter maior controle sobre nossas vidas e obter bem-estar psicológico.

Mulher aplicando o Diálogo Interno Distanciado
Desenvolver um diálogo interno mais distanciado nos permitiria reduzir vieses cognitivos e abordagens que reforçam a ansiedade e a depressão.

Como desenvolver uma conversa interior mais racional e saudável?

Podemos ser autocríticos de vez em quando, mas não acabemos  com nossa identidade e valor como se fôssemos nosso pior inimigo. Reduzir essa voz crítica com tendências destrutivas não é tarefa fácil. É verdade que não podemos desligá-la, mas o que podemos fazer é transformá-lo, fazê-la adotar uma tendência mais compassiva e menos agressiva.

De que maneira? A estratégia é desenvolver um diálogo interno distanciado. Vamos ver como obtê-lo.

1. Trate-se pelo nome

Para alcançar uma verdadeira distância psicológica, tente dispensar pronomes pessoais como “eu” ou “meu”. Fazer isso reduzirá o volume de ansiedade e lhe dará uma certa distância emocional. Em vez de dizer a si mesmo, por exemplo, “Eu deveria confiar mais em mim”, será mais útil usar a frase “Daniel, você deveria confiar mais em si mesmo”.

2. Fale consigo mesmo como se fosse seu coach

Sua voz crítica não deve torturar, atacar ou desvalorizar a pessoa que você é. Desta forma, é interessante assumir a atitude de um coach, de uma pessoa que tem um certo controle sobre a situação e que procura te ajudar. Isso será útil quando você for dominado pela desesperança e pela negatividade.

Esse treinador deve questionar cada pensamento irracional e adverso que você tem. Frases como: “Laura, você realmente acha que ninguém vai gostar de você? Que evidências você tem de que isso vai acontecer? Você tem amigos e pessoas que te amam por quem você é?”

3. Olhe no espelho e seja compassivo com a pessoa que você vê

A conversa interna distanciada também se beneficia quando usamos a terceira pessoa. Nesse caso, será muito interessante você ficar na frente de um espelho e falar consigo mesmo com respeito, apreço e compaixão, como se estivesse se dirigindo a alguém que ama profundamente.

“Manuel é alguém que merece confiar mais no seu potencial, no passado já mostrou o seu valor. A partir de agora as coisas vão mudar porque ele vai trabalhar nos seus sonhos com mais segurança e autoestima. Manuel merece o melhor neste mundo”.

É importante lembrar como nossa voz interior é relevante para promover a saúde mental e o desenvolvimento pessoal. Cuidar do que você diz para si mesmo é tão decisivo quanto cuidar de si mesmo fisicamente. Fale bem consigo mesmo e viverá melhor.


Todas as fontes citadas foram minuciosamente revisadas por nossa equipe para garantir sua qualidade, confiabilidade, atualidade e validade. A bibliografia deste artigo foi considerada confiável e precisa academicamente ou cientificamente.


  • Gainsburg, I., Sowden, W.J., Drake, B. et al. Distanced self-talk increases rational self-interest. Sci Rep 12, 511 (2022). https://doi.org/10.1038/s41598-021-04010-3
  • Orvell, A., Vickers, B. D., Drake, B., Verduyn, P., Ayduk, O., Moser, J., Jonides, J., & Kross, E. (2021). Does distanced self-talk facilitate emotion regulation across a range of emotionally intense experiences? Clinical Psychological Science, 9(1), 68–78. https://doi.org/10.1177/2167702620951539

Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.