O que é existencialismo? Definição e características
O ser humano chega ao mundo sem respostas sobre quem é, o que deve fazer e como se comportar. Nesse sentido, ele deve reconstruir seu ser para dar sentido à sua vida. Portanto, o existencialismo é uma corrente filosófica que se propõe a mergulhar nas profundezas da existência mundana ou cotidiana.
Essa filosofia teve seu início no século XIX. No entanto, ganhou grande popularidade na sociedade europeia, região em que finalmente se estabeleceu. Neste artigo, contamos do que se trata, suas características mais importantes e quem foram seus representantes mais influentes.
Fazendo um pouco de história
A filosofia existencialista passou por três momentos em seu desenvolvimento histórico. O primeiro deles surgiu no século XIX através de Kierkegaard e Nietzsche. Esse primeiro período foi chamado de existencialismo romântico e se caracterizou pela queda dos grandes sistemas filosóficos da modernidade.
Durante a Idade Moderna, as doutrinas predominantes foram o racionalismo, o positivismo e o idealismo. Elas estavam focadas em explorar a universalidade e a abstração, independentemente do indivíduo. Portanto, a perda de legitimidade sofrida provocou a busca de uma resposta mais imediata aos problemas cotidianos do ser humano.
Neste momento, surge o segundo período com a chamada metafísica, que nasceu por causa do descontentamento e do desenraizamento que as pessoas sentiram depois de passar pelas duas guerras mundiais. A proposta era ir ao encontro da própria existência, colocando em palavras a desesperança e o desânimo deixados pelos conflitos bélicos.
Por fim, a filosofia existencialista humanista procurou libertar o conceito de homem de qualquer dimensão transcendente ou religiosa. Dessa forma, o ser humano enfrentou a tragédia da sua existência. Ou seja, percebeu que estava num mundo em mudança e que ele próprio não havia escolhido, mas no qual deveria se desenvolver.
O que é existencialismo?
Dar uma definição precisa é um tanto difícil devido às diversas formas como foi abordado. Porém, podemos explicá-lo como uma corrente de pensamento interessada em estudar e interpretar a existência humana. Nesse sentido, sua preocupação inicial foi o indivíduo entregue ao seu modo peculiar de existir. Para isso, o ponto de partida foi o ser humano real e concreto.
Foi Jean-Paulsa Sartre quem em 1945 fez um discurso, mais tarde escrito na sua grande obra-prima O Existencialismo é um Humanismo. Nele residem não apenas os fundamentos da filosofia de Sartre, mas também os da própria corrente existencialista.
Assim, a existência adquire uma nova forma de ser pensada. Não é mais um conceito mental, e sim uma realidade concreta, que é a do ser humano. Este se caracteriza por se definir por meio das ações e decisões que toma no dia a dia. Portanto, o indivíduo se cria no decorrer de sua própria existência.
Características do existencialismo
Embora essa escola de pensamento sustente que a existência humana não pode ser capturada em definições, não pode deixar de recorrer a elas. Embora essas noções variem dependendo do autor em questão, elas podem ser unificadas em quatro conceitos: existência, responsabilidade, angústia e liberdade.
A existência precede a essência
Essa talvez seja uma das frases mais reconhecidas de Sartre. Mas o que significa? Nas correntes filosóficas anteriores, como o racionalismo, sustentava-se que o ser humano era definido pela sua razão.
Com o surgimento da filosofia da existência, essa tese é deixada de lado. Em seu lugar, é proposto algo revolucionário: não existe natureza humana. Ou seja, não há nada que nos defina como tal.
Então, o que nos resta? Pois bem, os existencialistas sustentam que o sujeito, no momento em que nasce, é lançado à existência. É por isso que primeiro existe e depois é definido. Nesse aspecto, apenas importam as ações e decisões futuras que os seres humanos tomarem. Isso é conhecido como projeto de vida.
Responsabilidade
A raça humana deve primeiro assumir o controle da sua vida e ser responsável por ela. É importante notar que essa responsabilidade não é interpretada em termos individualistas. Ou seja, não corresponde a cada indivíduo em particular, mas deve ser aceita por todos os homens e mulheres igualmente.
Isso ocorre porque, devido à nossa condição de sermos lançados à existência, nossas ações impactam as ações dos outros. O limite, então, é a própria subjetividade.
Como exemplo, podemos considerar que se um grupo decide se mobilizar e bloquear as ruas, essa decisão influencia não só a si mesmo. Aqueles que têm de percorrer esse caminho agora obstruído também serão afetados.
Sofrimento
O sentimento de angústia foi desenvolvido por Kierkegaard e retomado por outros existencialistas. Esse conceito está relacionado com a responsabilidade no sentido de que não podemos deixar de sentir angústia pela grande tarefa que temos. Ou seja, somos nós, a humanidade como um todo, com as nossas decisões e ações que moldamos o futuro da existência.
Podemos refletir sobre isso considerando nossas próprias vidas. Mais de uma vez estaremos envolvidos na difícil tarefa de decidir algo em circunstâncias complicadas. Não importa qual tenha sido a nossa escolha, é notável que ela sempre nos leva à ação. E se é disso que se trata, então nos encontramos na busca contínua de nos definir através do que fazemos.
Liberdade
Outra frase conhecida de Sartre é que estamos condenados a ser livres. Isso significa que nós mesmos construímos nossos valores e regras de conduta. Não existe mais um ser transcendente como Deus para fazer isso em nosso lugar.
Nesse aspecto, a liberdade tem um duplo sentido. Por um lado, é uma condenação porque estamos à sua mercê. Por outro lado, é fundamental realizar-nos, ou seja, forjar o nosso projeto de vida. Sem liberdade, não poderíamos escolher o rumo do futuro.
Quais são os tipos de existencialismo?
Existem divisões dentro dessa escola de pensamento. A esse respeito, um artigo publicado pelo International Journal of Humanities afirma que podemos classificá-lo em três tipos que detalharemos a seguir.
1. Teísta ou religioso
Representado por Søren Kierkegaard, Miguel de Unamuno e Gabriel Marcel. Segundo eles, o divino é parte fundamental da condição humana. Nesse sentido, a noção de pecado torna-se muito relevante. Não é constitutivo da natureza humana, embora a influencie.
Além disso, sustentam que a busca pelo sentido da vida se dá por meio da fé religiosa. Portanto, a ligação entre o humano e o divino é muito importante. Assim, o indivíduo tem uma responsabilidade não só consigo mesmo, mas também com Deus.
2. Ateu
Os representantes foram Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Martin Heidegger. Eles afirmam que o ser humano se compreende através de si mesmo e graças à sua faculdade de pensar. Nesse aspecto, a sua reflexão não recorre à autoridade religiosa.
Isso resulta no fato de que, por não ter uma divindade em quem confiar, o sujeito sucumbe ao sentimento de angústia. É entendido como aquele grande fardo que o homem carrega: a responsabilidade de realizar-se no decorrer da sua existência.
Apesar da angústia existencial, é importante destacar que essa reflexão permite ao indivíduo descobrir o sentido de sua vida. Ou seja, ninguém dita o caminho a seguir, sendo o sujeito fazedor de sua experiência de vida.
3. Agnóstico
A principal característica desse tipo é reconhecer a incerteza sobre a existência de Deus. É por isso que não pode afirmá-la ou negá-la. Sendo assim, os agnósticos acreditam que só podemos aceitar o que sabemos. Isso conclui que eles não aderem a nenhum dogma religioso.
Ao ignorar a existência de Deus, ele não pode ser levado em conta ao mergulhar nas profundezas do nosso ser. Seus representantes foram Karl Jaspers, Maurice Merleau-Ponty e Albert Camus.
Pioneiros da filosofia existencial
Muitos filósofos e escritores se recusaram a ser categorizados sob o termo existencialistas. Há também outros que cunharam o termo de forma significativa. A seguir, conheceremos alguns dos pioneiros.
Soren Kierkegaard (1813-1855)
Esse pensador dinamarquês é considerado uma figura precursora desse movimento filosófico. Seu interesse concentrava-se na experiência subjetiva de viver e existir. Dessa forma, afastou-se da pretensão de universalidade típica da filosofia moderna. Em vez disso, ele procurou afirmar a existência no ser individual de cada um de nós.
Miguel de Unamuno (1864-1936)
Apaixonado pela filosofia de Kierkegaard, Miguel de Unamuno foi influenciado pelas suas obras. Assim, ele descobriu uma nova forma de compreender a existência humana.
Ele destaca a sua irracionalidade, em oposição à racionalidade desejada da filosofia moderna. Da mesma forma, o papel da angústia inscreve-a na incerteza que a vida após a morte gera em nós.
Karl Jaspers (1883-1969)
A filosofia de Karl Jaspers busca compreender o ser em termos concretos e individuais de cada sujeito. Ele introduz assim o conceito de “situação limite” para se referir àqueles momentos críticos da vida que revelam a verdadeira natureza do ser humano. Portanto, assim como outros existencialistas, o foco está na reflexão sobre a existência vivida.
Gabriel Marcel (1889-1936)
Destacou-se por seu foco no mistério, na encarnação e na importância da experiência concreta. Assim, foi um promotor de uma participação comprometida na realidade, destacando a relevância das relações humanas autênticas.
Jean-Paul Sartre (1905-1980)
Foi ele quem primeiro cunhou o termo como uma corrente filosófica unificada. Destaca a liberdade individual, a responsabilidade e a criação ativa de significado na ausência de uma natureza predeterminada. Para isso, as ações e decisões do ser humano serão definitivas para a criação desse ser subjetivo.
Segundo Sartre, o existencialismo é um humanismo porque coloca as pessoas de carne e osso no centro do seu reflexo. Dessa forma, o indivíduo é elevado à categoria de dono da própria vida e existência. Além do mais, vivendo o homem pode fazer de si mesmo o seu próprio projeto. É assim que o ser humano cria sua singularidade.
Simone de Beauvoir (1908-1986)
Muito em linha com o pensamento de Sartre, a novidade que ela introduziu foi aplicar essa reflexão à vida das mulheres. Nesse sentido, destaca-se o combate às limitações impostas pela sociedade, principalmente com o gênero feminino. Assim, promove a liberdade, a responsabilidade e a solidariedade como elementos fundamentais para a autenticidade e a realização pessoal.
Martin Heidegger (1889-1976)
A proposta existencialista de Martin Heidegger caracteriza-se por realizar uma análise da existência a partir do método fenomenológico. Dessa forma, ele introduz o conceito de Dasein para nomear o existente humano.
Ele mesmo está localizado no mundo e tem como qualidade fundamental o cuidado de si e a consciência da própria finitude. Uma questão que o levará à angústia existencial.
Albert Camus (1913-1960)
Camus abordou o conceito de “absurdo” para se referir à falta de sentido da vida. A partir disso, ele propõe uma busca ativa de sentido por parte do indivíduo. E não só individualmente, mas também coletivamente, isto é, com os outros.
Maurice Merleau-Ponty (1908-1961)
Fenomenólogo e filósofo existencialista francês, Merleau-Ponty explorou a relação entre percepção corporal e consciência. Assim, ele destacou a importância da experiência corporal na compreensão de si mesmo. Seu trabalho influenciou o desenvolvimento da fenomenologia existencial.
Críticas e censuras a essa corrente filosófica
O próprio Sartre, no seu discurso de 1945, detalha uma série de críticas contra essa filosofia. Em primeiro lugar, existe a acusação de se concentrarem apenas no negativo e no mal da existência humana. Isso levou seus expoentes a serem responsabilizados por promoverem o quietismo e a profunda inação.
Em segundo lugar, são acusados de apoiar e promover um tipo de filosofia elitista e burguesa, devido ao seu elevado conteúdo contemplativo e metafísico.
E, por fim, acredita-se que se trata de uma corrente cuja finalidade deriva do puro individualismo, devido ao seu ponto de partida no sujeito e na sua experiência concreta.
Um olhar profundo sobre a existência humana
Talvez não exista filosofia que tente aprofundar a existência humana como o existencialismo. É por isso que ainda hoje é tão popular pensar sobre nós mesmos. Além disso, seus principais conceitos, como liberdade, responsabilidade e ansiedade, podem nos ajudar a buscar a nós mesmos e a fazer da nossa vida um projeto.
Em última análise, trata-se de encontrar um significado que seja significativo para cada uma de nossas vidas. Não existem respostas mágicas, isso é certo. Porém, mergulhar nas profundezas dessa corrente pode ser o início de algo muito mais poderoso, talvez o início de uma vida autêntica.
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