O que é e como funciona a terapia psicanalítica?

O inconsciente é uma instância psíquica decisiva que determina o comportamento. Para acessá-lo, a psicanálise utiliza diferentes técnicas como associação livre e interpretação. Saiba mais sobre essa abordagem.
O que é e como funciona a terapia psicanalítica?
José Padilla

Escrito e verificado por o psicólogo José Padilla.

Última atualização: 11 maio, 2024

No campo da psicologia, a terapia psicanalítica representa uma abordagem de intervenção que vai além dos sintomas aparentes e explora as profundezas do inconsciente. Ao longo dos anos, suas contribuições tiveram um enorme impacto na compreensão da mente humana.

Embora existam atualmente diversas correntes e abordagens dentro da psicanálise, que por sua vez contemplam formas próprias de compreender e praticar a psicoterapia, neste texto tentaremos oferecer uma visão geral da terapia desta escola. Dessa forma, conheceremos as suas características distintivas, os princípios que a regem e as suas técnicas. Vamos lá!

O que é a terapia psicanalítica?

Essa é uma forma de psicoterapia que se concentra no exame de processos inconscientes para compreender e tratar condições e conflitos psicológicos. Sua base é a ideia de que o ser humano é movido por desejos, emoções, memórias e pensamentos não conscientes.

Essa prática clínica recebe sua estrutura conceitual das teorias psicanalíticas de Sigmund Freud e de outros pensadores. Ao aplicá-la, buscamos compreender o consultor e ajudá-lo a se compreender. Da mesma forma, conforme apontado pela American Psychoanalysis Association, essa prática tenta ampliar a compreensão dos problemas emocionais que estão na base das dificuldades que a pessoa apresenta.

Os psicanalistas analisam, entre outras questões, o conteúdo reprimido pela consciência e a relação entre eles e o paciente. Da mesma forma, investigam e interpretam os sonhos e os processos defensivos do ego. Através de métodos e intervenções clínicas, buscam não apenas tratar a causa dos sintomas, mas também uma mudança profunda no funcionamento mental do paciente.

Características que a diferenciam de outras psicoterapias

A psicoterapia de orientação psicanalítica abrange aspectos que a diferenciam de outras. Segundo Jonathan Shedler, alguns de seus benefícios e características distintivas são os seguintes:

  • Foco no afeto e na expressão das emoções: promove a análise e interpretação de emoções contraditórias e de difícil identificação.
  • Exploração das fantasias: as pessoas são incentivadas a falar livremente sobre o que pensam, sobre seus desejos, medos, fantasias e sonhos.
  • Exploração da evitação: examina e reconhece as maneiras pelas quais as pessoas evitam lembrar ou vivenciar experiências afetivas problemáticas.
  • Discussão de experiências passadas: a escola psicanalítica analisa a relação entre o passado e o presente e como o apego precoce e as experiências de vida influenciam as dificuldades atuais.
  • Identificação de padrões ou temas recorrentes: às vezes, os consultantes não identificam seus próprios padrões de comportamento, por isso o psicanalista é responsável por trazer esses temas recorrentes à consciência do paciente a nível cognitivo, afetivo e relacional.
  • Foco nas relações interpessoais: as relações objetais e de apego são fundamentais nessa terapia, uma vez que a personalidade e o autoconceito são configurados através delas. Frequentemente, os conflitos internos dos pacientes surgem de padrões interpessoais problemáticos.
  • Ênfase na relação terapêutica: é importante na psicanálise porque é o espaço onde ocorrem a transferência e a contratransferência, que têm um impacto considerável no processo. Além disso, graças a ela, os padrões de interação interpessoal do cliente são conhecidos em primeira mão.

Quais são os princípios básicos da terapia psicanalítica?

Em artigo sobre a prática da psicoterapia psicodinâmica, a Dra. Paulina Kernberg apresenta os postulados empiricamente sustentados dessa abordagem. Vamos vê-los a seguir.

1. O inconsciente determina o comportamento

Muito comportamento é determinado por desejos, memórias, pensamentos e motivações inconscientes. Em outras palavras, esse princípio significa que o comportamento observável emerge fora da consciência.

2. Relacionamentos significativos moldam as próprias representações

Os laços emocionais com as figuras parentais durante a infância afetam a forma como as pessoas se percebem e interagem com os outros. Essas relações configuram representações internas que orientam comportamentos e expectativas nas relações interpessoais.

3. O conflito interno faz parte do desenvolvimento

Para a terapia psicanalítica, todos os clientes abrigam desejos incompatíveis com restrições sociais e morais. Esse conflito é uma parte essencial do desenvolvimento humano e geralmente causa tensões e desconforto internos. “O conflito intrapsíquico”, diz Eslee Samberg, “ocorre quando objetivos e desejos evocam ansiedade e censura pessoal por serem infantis, egoístas ou moralmente transgressores”.

4. As defesas aliviam a ansiedade

Os mecanismos de defesa protegem a mente da ansiedade, angústia e dor decorrentes de experiências traumáticas ou inaceitáveis. Embora sejam um recurso útil, a longo prazo podem se tornar um problema porque impedem o enfrentamento adaptativo e a resolução do problema subjacente que alimenta os sintomas.

5. A resistência à mudança faz parte do processo terapêutico

No contexto psicanalítico, a resistência é o processo pelo qual o inconsciente impede que conteúdos reprimidos emerjam na consciência. Graças a ela, a pessoa evita enfrentar aspectos de sua vida que causam muita ansiedade. A resistência pode interferir no processo de mudança do cliente.

6. A transferência reflete relacionamentos internalizados

A transferência é a projeção de sentimentos, comportamentos ou atitudes que o consultor deposita no analista. Durante o trabalho terapêutico, esse processo pode revelar conflitos não resolvidos e mostrar como o paciente compreende suas relações internalizadas.

7. O analista tem uma atitude sem julgamento

Outro princípio fundamental é que o psicanalista deve criar um espaço seguro para o cliente, onde ele possa se expressar sem se sentir julgado ou criticado. Nas palavras de Paulina Kernberg, é preciso cultivar uma atitude respeitosa, empática e de apoio incondicional para com o paciente.

8. O terapeuta deve reconhecer e compreender sua contratransferência

A contratransferência refere-se às atitudes e sentimentos que o analista desenvolve em relação ao seu cliente. Na terapia, o especialista deve ter isso em mente, pois pode afetar a relação terapêutica e o processo de análise.

Como funcionam suas técnicas

Existem diversas maneiras de acessar o inconsciente e tornar consciente o reprimido. Em suas sessões de trabalho psicanalítico, os especialistas utilizam diferentes estratégias para compreender a dinâmica interna da mente de seus clientes. Vejamos algumas delas.

Associação livre

Através desse método, o cliente é incentivado a falar livremente, sem censura ou filtro, sobre o que pensa, sente e lembra à medida que lhe vem à mente. Assim, o analista, entre outras coisas, identifica padrões de pensamento.

Análise de transferência

Esse é um procedimento crucial para explorar como os relacionamentos significativos do passado estão relacionados ao desconforto atual do paciente. Além disso, é útil promover um maior insight sobre ele.

Interpretação de sonhos e ações fracassadas

Essa técnica é a mais decisiva, pois permite tornar o inconsciente consciente. Seu uso ajuda a reconhecer desejos reprimidos e a revelar o significado de sonhos e ações fracassadas.

Análise de resistência

Estudar a resistência leva o analista a descobrir por que o paciente resiste ao trabalho psicanalítico. Normalmente, a causa da resistência reside em evitar uma emoção dolorosa ou desconfortável, como ansiedade, vergonha ou culpa. Através dele, áreas de conflito podem ser descobertas.

Para que serve a terapia psicanalítica?

Consultar um psicanalista é útil para compreender as causas dos padrões repetitivos nas relações interpessoais, abordar conflitos internos e enfrentar perdas e queixas somáticas que não têm correlato orgânico ou médico. Da mesma forma, é relevante intervir em alguns transtornos mentais e nos seguintes problemas comportamentais:

  • Depressão: é um transtorno mental muito prevalente que pode ser tratado através da psicanálise. Embora sejam necessários mais estudos a esse respeito, uma meta-análise da Clinical Psychology Review indica que a psicoterapia psicodinâmica de curto prazo favorece o tratamento de adultos com depressão.
  • Ansiedade: a ansiedade patológica gera um desconforto significativo que é acompanhado de medos e preocupações sobre possíveis riscos ou ameaças futuras. Nesse contexto, uma revisão meta-analítica descobriu que a terapia psicanalítica é tão eficaz quanto outros tratamentos psicológicos.
  • Transtornos de personalidade: pesquisas sobre a eficácia da psicanálise começaram a mostrar que ela pode ser útil no tratamento de transtornos de personalidade. Uma revisão crítica de ensaios clínicos randomizados indica que essa intervenção produz melhorias a longo prazo em pacientes com essa condição.
  • Distúrbios somáticos funcionais: a psicoterapia psicanalítica de curto prazo é um tratamento valioso para distúrbios somáticos funcionais, que são caracterizados pela presença de sintomas físicos persistentes e inespecíficos. Esses diagnósticos muitas vezes causam dificuldades no funcionamento diário do indivíduo.
  • Reduz as tentativas de suicídio: autoagressão com a intenção de tirar a própria vida é um comportamento alarmante em todo o mundo. Nesse contexto, a terapia psicanalítica parece ser benéfica na redução do comportamento suicida e da automutilação. No entanto, são necessários mais ensaios clínicos randomizados para apoiar a sua plena eficácia.


Uma ferramenta valiosa na psicologia atual

A terapia psicanalítica é uma abordagem psicoterapêutica que explora o inconsciente para compreender e tratar as dificuldades atuais. Por meio de técnicas como interpretação, associação livre e análise de transferência, é possível abrir caminho para conteúdos que permanecem fora da consciência do consultante.

Essa abordagem, útil para intervir tanto em conflitos internos quanto em transtornos de personalidade e outros problemas, persiste desde a era freudiana até os dias atuais como uma ferramenta valiosa no campo terapêutico.


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